SERMÃO DE SANTO ANTÔNIO: Anunciação da Bem-aventurada Virgem Maria

No dia 25 de Março lembramos a Festa da Anunciação do Senhor. Santo Antônio como um grande cantor da Virgem Maria dirigiu vários sermões a esta Festa Mariana. Um destes preciosos escritos você confere abaixo.

Sermões

21.03.2023 10:28:16 | 31 minutos de leitura

SERMÃO DE SANTO ANTÔNIO: Anunciação da Bem-aventurada Virgem Maria

1. Naquele tempo, "O Anjo Gabriel foi enviado por Deus..." (Lc 1,26). Neste trecho evangélico consideramos três momentos: o envio de Gabriel à Virgem, o anúncio da concepção do Senhor e a intervenção do Espírito Santo.

I - O ENVIO DE GABRIEL À VIRGEM

2. "O Anjo Gabriel foi enviado." Gabriel interpreta-se "Deus, meu conforto". , e sobre isso lemos em Isaías: "Dizei aos pusilânimes: Confortai-vos e não temais! Eis que o próprio Deus virá e vos salvará" (Is 35,4). Costumamos confortar, sobretudo, três categorias de pessoas: o doente, o aflito, o medroso.

O gênero humano encontrava-se nessas três situações: estava doente há cinco mil anos e não encontrava remédio algum; estava aflito porque privado das delícias do paraíso terrestre; vivia no medo do diabo, que com uma mão o flagelava e com a outra o arrastava para o inferno. Mas, graças a Deus, finalmente, foi enviado o conforto que curou o doente, consolou o aflito e deu segurança ao medroso. Portanto, foi enviado o Anjo Gabriel, o feliz mensageiro de uma terra distante, água fresca para a alma sedenta. Eis o alívio para a alma sedenta, já no extremo pelo ardor e desfalecendo pela languidez: água fresca, água da sabedoria que traz a salvação.

E para onde foi enviado? "Para uma cidade da Galileia" (Lc 1,26). Galileia interpreta-se "roda", e também "emigração". Quem tem dificuldades nessas duas coisas, necessita de conforto. A roda chama-se assim porque rola (latim: ruit), corre. O gênero humano corria de pecado em pecado e no fim emigrava para o inferno. Diz Jeremias: "Judá emigrou por causa da aflição e da dura escravidão; habitou entre as nações (Os pagãos) e não encontrou repouso; todos os seus perseguidores se apoderaram dele no meio de suas angústias" (Lm 1,3). Da escravidão do pecado acontecia a passagem para a condenação do inferno. Em tão grande angústia era verdadeiramente necessário o conforto, que convertesse para a vida a roda que corria para a morte, e assim acontecesse a passagem para a glória. "Preceder-vos-á [diz o evangelho] na Galileia: ali o vereis" (Mt 28,7). "A cidade chamava-se Nazaré" (Lc 1,26), que quer dizer "flor", ou também "unção", ou seja, "consagração", porque ali estava a flor da virgindade, a unção da graça septiforme [pelos sete dons do Espírito], ali a consagração da Virgem gloriosa.

3. O anjo foi enviado "a uma Virgem" (Lc 1,27). Uma referência a isso encontramo-la no Gênesis: "Rebeca era uma menina bela em extremo, uma virgem formosíssima e não conhecida por homem" (Gn 24,15-16). Rebeca, nome que significa "muito tem recebido", é a Bem-aventurada Virgem Maria, que, verdadeiramente, tem recebido muito, porque concebeu o Filho de Deus. E da beleza da Mãe, o próprio Filho diz: "Tu és bela, amiga minha, suave e graciosa como Jerusalém" (Ct 6,3). Bela pela humildade, amiga pela caridade, suave pela contemplação, graciosa pela virgindade, como a Jerusalém celeste, onde habita Deus: e a Virgem é sua habitação. "Quem me criou [diz-se] repousou no meu tabernáculo" (Eclo 24,12), isto é, no meu seio.

"A virgem estava prometida em casamento a um homem chamado José" (Ic 1,27). Eis o comentário de São Beda: "Quis nascer [Filho de Deus] de uma mulher casada, a fim de que por meio de José fosse conhecida a sua genealogia, e também para que não fosse apedrejada como adúltera, e para que a menina tivesse o sustento de um homem que fosse também a testemunha de sua integridade e, enfim, para que o diabo não pudesse descobrir o mistério". O antigo José, filho de Jacó, foi salvador, porque salvou o Egito da fome. Este José salvou a Bem-aventurada Virgem da desonra. O Senhor preferiu que alguém duvidasse de sua origem, antes que da pureza da Mãe. Com efeito, sabia que a reputação, em assunto de bons costumes, é fácil de ser perdida.

"Era da casa de Davi" (Lc 1,27). Isso deve ser referido não só a José, mas também à Virgem: ambos eram descendentes de Davi. Havia a ordem de Deus: "Todos os homens desposarão mulheres de sua tribo e de sua parentela; e todas as mulheres desposarão homens da mesma tribo" (Nm 36,7-8).

"E o nome da virgem era Maria" (Lc 1,27). Nome doce, nome delicioso, nome que conforta o pecador, nome que infunde a bem-aventurada esperança. Quem é Maria senão a estrela-do-mar, isto é, o caminho luminoso que guia para o porto aqueles que ainda estão ao sabor das ondas da amargura? Nome amado pelos anjos, terrível para os demônios, salutar para os pecadores, suave para os justos.

4. "Entrando o anjo onde ela estava" (Lc 1,28). Aquela junto à qual o anjo entrou, estava no interior, ocupada com a leitura ou com a contemplação, estava só e guardava sua solidão. Diz Oseias: "Conduzi-la-ei à solidão e falarei ao seu coração" (Os 2,14).

"Disse-lhe: Ave!" (Lc 1,28), isto é, sem "ai!" (a privativo, pae!, ai!), sem o tríplice "ai!" do Apocalipse: "Ai, ai, ai dos que habitam na terra!" (Ap 8,13). Com efeito, Maria foi imune à concupiscência da carne, à concupiscência dos olhos e à soberba da vida (cf. 1Jo 2,16), porque foi casta, foi pobre e foi humilde.

"Cheia de graça" (Lc 1,28), porque foi a primeira entre as mulheres a oferecer a Deus o sublime dom da virgindade e, por isso, foi digna de gozar da visão do anjo e do seu colóquio, e deu ao mundo o autor de toda a graça. "Cheia de graça" porque "o perfume dos teus unguentos está acima de todos os aromas. Os teus lábios são um favo a destilar" (C* 4,10-11), sobre os quais é difundida a graça (cf. SI 44,3).

"O Senhor está contigo" (Lc 1,28): Ele, por teu amor à castidade, coisa absolutamente nova, elevou-te à sublimidade do céu, e depois, por meio da natureza humana por ele assumida, consagrou-te com a plenitude da divindade. "O Senhor está contigo." «O meu amado é para mim como um cacho de uvas de Chipre" (Ct 1,13) e, por isso, cheia do vinho da graça.

«Bendita és tu entre as mulheres" (Lc 1,28). Com isso concordam as palavras que lemos no Livro dos Juízes: "Bendita entre as mulheres é Jael" - nome que se interpreta "aquela que espera Deus" - "seja bendita entre as mulheres do tabernáculo" (Jz5,24). Verdadeiramente bendita aquela que esperou aquele que é a bênção de to-dos, e esperando o acolheu. Verdadeiramente bendita aquela que não foi estéril, nem violada; fecunda sem rubor, grávida sem gravame, mãe sem dor, aquela que, única entre as mulheres, foi virgem e mãe e gerou a Deus.

5. "Ao ouvir estas palavras, ela se perturbou" (Lc 1,29). Lemos no Evangelho de João: "De tempos em tempos, um anjo descia na piscina e a água se agitava" o 5,4). A agitação da água representa a perturbação de Maria ao ver o anjo dirigir-lhe a saudação. "Perguntava-se qual seria o sentido de tal saudação" (Lc 1,29). Maria perturba-se por pudor, e na sua prudência admira-se diante da inusitada fórmula de bênção. "Aquele que é precipitado em acreditar tem coração leviano" (Eclo 19,4). É maravilhosa esta união de pudor e de prudência, para que o pudor não se torne afetado e a prudência exagerada.

Mas o anjo disse: "Não tenhas medo, Maria!" (Lc 1,30). Como alguém que tem familiaridade com ela, chama-a pelo nome. Manda-lhe que não tema, "porque encontraste graça diante de Deus" (Lc 1,30). Lemos no Livro de Ester: "Quando o Rei Assuero viu a Rainha Ester de pé, agradou aos seus olhos e estendeu para ela, em sinal de clemência, o cetro de ouro que tinha na mão. Ela, aproximando-se, beijou a ponta do cetro" (Est 5,2).

Assuero, nome que significa "bem-aventurança" , representa Deus, bem-aventurança dos anjos, a cujos olhos agradou a nossa Rainha Ester, nome que quer dizer "preparada no tempo" », isto é, para o tempo da nossa salvação. O cetro de ouro é a graça celeste que Deus infundiu nela, quando a encheu de graça mais do que todas as outras mulheres; e ela, que diante de tão grande graça certamente não foi ingrata, aproximou-se com a humildade e beijou com a caridade.
II - O ANÚNCIO DA CONCEPÇÃO DO SENHOR

6. "Eis que conceberás e darás à luz um filho" (Lc 1,31). Diz o Bem-aventurado Bernardo: "Os milagres são dois, mas estão admiravelmente unidos entre si: Deus que se torna Filho, a Virgem que se torna Mãe. À Mãe Virgem não convém outro Filho; a Deus Filho não convém outro parto". Observa, depois, que Cristo é concebido em Nazaré, nasce em Belém, é crucificado em Jerusalém, num lugar mais alto. Portanto, Cristo é concebido na humildade, nasce na caridade, que é a casa do pão, é crucificado na elevação.

7. "E lhe darás o nome de Jesus" (Lc 1,31). Presta atenção ao seguinte fato: lê-se na Escritura que foram cinco os personagens chamados por nome por Deus ainda antes de serem concebidos no seio materno. O primeiro foi Isaac: "Sara, tua mulher, dará à luz um filho e o chamarás Isaac" (Gn 17,19). O segundo foi Sansão: «Disse o anjo à esposa de Manué: Conceberás e darás à luz um filho... ele será nazireu de Deus" (Jz 13,3-5). O terceiro foi Josias: "Eis que nascerá um filho na casa de Davi, de nome Josias" (1Rs 13,2). O quarto e o quinto foram João Batista e Jesus Cristo. Nestes cinco "personagens" são simbolizadas as cinco categorias dos eleitos.

Em Isaac, que quer dizer "sorriso", são indicados os caridosos, que têm sempre o sorriso no espírito. Por isso, lemos em Jó: "Se eu lhes sorria, não me acreditavam, e a luz do meu rosto não caía por terra" (Jó 29,24). O rosto da alma é a razão, cuja luz é a graça. Dela se diz: "Foi marcada sobre nós a luz do teu rosto, Senhor" (SI 4,7). O caridoso serve com o sorriso da devoção e os detratores não lhe creem, antes o caluniam; mas nem por isso sua luz deve "cair por terra"; ao contrário, continua a agir na luz da razão e no gozo da mente.

Assim em Sansão, nome que significa "o sol deles", são indicados os pregadores da palavra de Deus: eles, com a palavra e com o exemplo, devem ser o sol para aqueles aos quais pregam. "Vós sois a luz do mundo" (Mt 5,14), diz-se no evangelho. O sol é a fonte do calor e da luz; o calor e a luz são a vida e a doutrina, que à guisa de rios brotam, como da fonte, daqueles que pregam, para chegar aos que ouvem. A vida deve ser calorosa, a doutrina luminosa.

Em Josias, que significa "onde está o incenso" ou também "onde está o sacrifício", são indicados os verdadeiros religiosos, nos quais está o incenso da oração devota e o sacrifício da mortificação corporal. Eles dizem: "Sejamos recebidos com o coração contrito e com o espírito humilhado: para que assim o nosso sacrifício seja agradável à tua presença" (Dn 3,39-40).

No Batista são designados todos os penitentes e os bons leigos, que se purificam e se santificam no Jordão, isto é, no rio do juízo, quer dizer, nas lágrimas e na confissão, na doação de esmolas e na realização das outras obras de misericórdia.

Enfim, em Jesus Salvador são representados os dignos prelados da Igreja, dos quais o Profeta Abdias diz: "Subirão vitoriosos ao Monte Sião, para julgar o Monte de Esaú e o reino será do Senhor" (Ab 1,21). O Monte Sião é a elevação da vida santa, para a qual devem subir os prelados: só assim poderão julgar, ou também condenar o Monte de Esaú, quer dizer, a soberba dos carnais, e assim, em si mesmos e de si mesmos farão ao Senhor um reino. Amém.

11 - A INTERVENÇÃO DO ESPÍRITO SANTO

8. Pergunta Maria: "Como se fará isso, pois eu não conheço varão?" (Lc 1,34). É claro que aquela que pergunta como acontecerá uma coisa, crê que aquela coisa será feita. Pergunta como pode acontecer isso, dado que havia prometido não conhecer varão, a não ser que Deus tivesse disposto diversamente. E comenta Ambrósio: "Quando Sara sorriu à promessa de Deus e quando Maria disse: Como poderá acontecer isso?, por que ambas não ficaram mudas, como aconteceu a Zacarias? Mas Sara e Maria não duvidam que aconteça isso que é prometido: perguntam só como acontecerá. Zacarias, porém, nega saber, nega crer, e pede algum outro sinal que aumente a sua fé. E, portanto, recebe o sinal do silêncio, porque os sinais são dados não aos fiéis, mas aos infiéis.

"Respondendo o anjo disse: O Espírito Santo descerá sobre ti" (Lc 1,35). Já que antes havia dito "cheia de graça", e aqui diz " descerá", dá a compreender que se a um vaso já cheio lhe for acrescentada alguma coisa, aquilo que é acrescentado transborda, assim algumas gotas de sua graça teriam transbordado sobre nós. O Espírito Santo, descendo sobre a Virgem e na sua alma, tornou-a inacessível a qualquer feiura de vício, para que fosse digna do parto celeste, e com a sua ação, da carne da Virgem, criou em seu seio o corpo do Redentor.

"E a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra" (Lc 1,35). Nessas palavras são indicadas as duas naturezas do Salvador, porque a sombra é produzida pela luz e por um corpo que lhe é interposto. A Virgem não podia conter a plenitude da divindade: mas a virtude do Altíssimo a cobre com sua sombra, e então a incorpórea luz da divindade assumiu nela o corpo da humanidade, para que assim Deus pudesse sofrer.

"Por isso, o Santo que há de nascer de ti será chamado Filho de Deus" (Lc 1,35). Jesus nasce santo: aquele que deverá vencer a condição da natureza corrompida não é concebido pela união ou ligação carnal. Nós, sujeitos à condição da natureza corrompida, podemos ser santificados pela graça. Foi conveniente que aquela que, contrariando toda a lei, concebeu permanecendo virgem, gerasse o Filho de Deus acima de qualquer lei e costume humano.

"E eis que Isabel" etc. (Lc 1,36). Para que a Virgem não duvidasse que poderia dar à luz, foi-lhe dado o exemplo de uma mulher estéril e idosa que teria dado à luz, para assim reconhecer que tudo é possível a Deus, também aquilo que parece contrário à ordem da natureza.

9. "Então Maria respondeu: Eis aqui a serva do Senhor" (Lc 1,38). Não se ensoberbece pela excepcionalidade do privilégio, mas recordada em tudo de sua condição e do benefício divino, professa-se a serva do Senhor, ela que é escolhida para ser sua Mãe e, com grande devoção, deseja que a promessa do anjo se realize.

"Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38). E naquele momento, a Virgem concebeu a Cristo, homem perfeito na alma e na carne, todavia, de maneira tal que, com o olhar, não se podiam distinguir as formas do corpo e dos membros.

Crê-se que tenha sido concebido no dia 25 de março e, passados trinta e três anos, tenha sido morto no mesmo dia, aquele que é bendito nos séculos. Amém.

IV - SERMÃO MORAL

10. "O Anjo Gabriel foi enviado..." etc. Ouvimos de que modo a Virgem Maria concebeu o Filho de Deus Pai; ouçamos agora brevemente de que modo a alma concebe o espírito da salvação.

Na Virgem Maria vemos representada a alma fiel: virgem pela integridade da fé; donde diz o Apóstolo: "Eu vos desposei com um único esposo, para apresentar-vos como virgem pura a Cristo" (2Cor 11,2); Maria, isto é, estrela-do-mar, pela profissão da mesma fé. "Com o coração se crê para obter a justiça", eis a virgem; "com a boca se faz a profissão de fé para ter a salvação" (Rm 10,10), eis a estrela que da amargura do mundo guia para o porto da eterna salvação. Esta virgem habita em Nazaré da Galileia, quer dizer, "na flor da transmigração". A flor é a esperança do fruto. Com efeito, a alma fiel espera transmigrar, passar da fé para a visão, da sombra para a verdade, da promessa para a realidade, da flor para o fruto, do visível para o invisível. Dizem os pastores: "Vamos a Belém" (Lc 2,15), porque ali encontraremos boas pastagens, o pão dos anjos, o Verbo encarnado. E em Isaías lemos: "A alegria dos onagros são os pastos dos rebanhos" (Is 32,14). Nos onagros são representados os justos, cujo gozo serão os pastos dos rebanhos, quer dizer, o esplendor e a bem-aventurança dos anjos, porque junto com os anjos se apascentarão, isto é, gozarão da visão do Verbo encarnado.

A essa virgem é enviado o Anjo Gabriel, cujo nome interpreta-se "Deus me confortou"; nele é indicada a infusão da graça divina, e sem seu conforto a alma desfalece. De fato, Judite reza: "Conforta-me, Senhor, Deus de Israel, nesta hora. E com o punhal feriu duas vezes o pescoço de Holofernes e cortou-lhe a cabeça (Jt 13,9-10). Holofernes interpreta-se "enfraquece o vitelo gordo"; nele é representado o pecador que, gordo com a abundância das coisas temporais, é despojado das virtudes pelo diabo, e assim se enfraquece e adoece. A cabeça de Holofernes é a soberba do diabo. Diz o Gênesis: "Ela te esmagará a cabeça e tu lhe armarás ciladas ao calcanhar" (Gn 3,15): no calcanhar é indicado o fim da vida.

A Virgem Maria esmagou a soberba do diabo com a humildade, mas este, por assim dizer, armou-lhe ciladas ao calcanhar na paixão do seu Filho. Quem quer arrancar de si mesmo a soberba do diabo, deve ferir duas vezes. A dupla ferida é a recordação de nosso nascimento e o pensamento de nossa morte. Quem medita assiduamente sobre esses dois momentos de sua vida, arranca de si a soberba do diabo, mas antes é necessário que implore o sustento da graça divina. "Agi virilmente e vosso coração será confortado!" (SI 30,25).

11. "Entrando o anjo onde ela estava." Aqui é posta em evidência a solidão da alma, que permanece sozinha consigo mesma, lendo no livro da própria miséria e procurando a doçura divina; por isso merece ouvir: Ave! O nome Epa, que se interpreta "ai!" ou "desventura", se lido ao contrário torna-se Ave. A alma que se acha em pecado mortal é Eva, ou seja, ai e desventura; mas quando se converte à penitência, ouve dizer: Ave, quer dizer, sem ai (a, sem, pae!, ai).

"Cheia de graça." Quem puser alguma coisa num vaso cheio, perde aquilo que nele coloca. Assim também na alma, se está cheia de graça, não pode entrar ali a sujeira do pecado. A graça enche todo o espaço e não deixa vazio canto algum, no qual possa permanecer ou entrar aquilo que lhe é contrário. Quem compra tudo, quer possuir tudo; e a alma é tão grande que ninguém pode enchê-la, a não ser Deus somente, que, como diz João, "é infinitamente maior do que o nosso coração e conhece todas as coisas" (1Jo 3,20). Um vaso bem cheio transborda de todos os lados. Da plenitude da alma recebem todos os sentidos, porque, como diz Isaías, «será sábado de sábado" (Is 66,23), quer dizer, da paz interior virá a paz dos sentidos e dos membros.

"O Senhor é contigo." Ao contrário lemos no Êxodo: "Não subirei contigo, por. que és um povo de cerviz dura" (Ex 33,3), isto é, desobediente e soberbo. É como se dissesse: Subiria contigo se fosses humilde. Por isso, ao humilde promete: "Tu és meu servo; quando passares pelas águas, estarei contigo, e os rios não te cobrirão; quando andares sobre o fogo, não te queimarás, e a chama não arderá em ti" (Is 43,1-2).

Nas águas é representada a sugestão diabólica; nos rios a gula e a luxúria; no fogo o dinheiro e a abundância das coisas materiais; na chama a vanglória. O servo, isto é, o humilde, com o qual está o Senhor, passa ileso através das sugestões do diabo, porque nem a gula nem a luxúria o cobrem. Quem tem a cabeça totalmente coberta, não pode ver, nem cheirar, nem falar e nem ouvir distintamente; assim, quem está totalmente coberto pela gula e pela luxúria é privado da faculdade de contemplar, de discernir, de reconhecer seu pecado e de obedecer. O humilde, mesmo que ande pelo fogo das coisas temporais, não se queima pela avareza nem pela vanglória.

12. "Bendita és tu entre as mulheres." Lê-se na História natural que as mulheres sentem a compaixão mais intensamente do que o homem, choram com mais facilidade e têm uma memória mais fiel (Aristóteles). Nestas três qualidades é indicada a piedade para com o próximo, a devoção das lágrimas, a lembrança da paixão do Senhor. Lemos no Cântico dos Cânticos: "Põe-me como um selo sobre o teu coração, como um selo sobre o teu braço, porque o amor é forte como a morte" (Ct 8,6): 0 teu amor, pelo qual morreste. Benditas as almas que têm essas três qualidades; entre elas é bendita com o privilégio de uma especial bênção a alma fiel e humilde, rica de obras de caridade.

A respeito dessa bênção, continua: "Eis que conceberás e darás à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus". Lemos ainda na História natural que as mulheres grávidas têm dores, perdem o apetite e sua vista se anuvia; outras mulheres, depois que engravidam, têm horror ao vinho, pois ao bebê-lo perdem as forças. Isso acontece também com a alma, quando, sob a ação do Espírito Santo, concebe o espírito da salvação (cf. Is 26,18): começa a arrepender-se do seu pecado, sente repugnância pelas coisas temporais, desagrada-se de si mesma - este é o significado do ofuscamento da vista -, ela que costumava admirar-se com complacência e tem horror ao vinho da luxúria. Por esses sinais poderás julgar se a alma concebeu o espírito da salvação, que a seguir dará à luz, quando produzirá fruto na luz das boas obras; e a este fruto porá o nome salvação (Jesus), porque tudo o que faz, é em vista da salvação que o faz. "É a intenção [como se diz] que qualifica a obra." Com efeito, a alma fiel age para agradar a Deus, para obter o perdão dos pecados, para edificar o próximo e para alcançar a salvação eterna.

Digne-se conceder a salvação também a nós aquele que é bendito nos séculos. Amém.

V - SERMÃO ALEGÓRICO

13. "Eis que houve um vento (latim: spiritus) impetuoso e forte, que transtorna Os montes e quebra as pedras diante do Senhor; e o Senhor não estará no vento. E depois do vento haverá um terremoto; e o Senhor não estará no terremoto. E depois do terremoto acender-se-á um fogo; e o Senhor não estará no fogo. E depois do fogo ouvir-se-á o sopro de branda viração" (1Rs 19,11-12), e ali estava o Senhor. Nestas palavras do Terceiro livro dos Reis encontramos uma referência aos quatro eventos da festa de hoje: a saudação do anjo, a perturbação de Maria, a intervenção do Espírito Santo, a encarnação do Filho de Deus.

14. A saudação do anjo: "Ave, cheia de graça", é indicada pelas palavras: "Um vento (espírito) impetuoso e forte". Esta saudação é chamada "espírito" porque é uma saudação espiritual, enviada por meio de um espírito angélico; "grande", porque faz grandes promessas; "forte", porque provém do onipotente Rei da Glória, por meio do forte Gabriel.
Estas três palavras correspondem também às três palavras da saudação do anjo. "Ave, cheia de graça", eis o espírito. Aqui não há nada da terra, nada da carne, mas tudo é do espírito, porque vem da graça. A primeira mulher, Eva, é terra da terra, carne da carne, osso de osso; a ela é dito "Ai (Vae, Eva), multiplicarei os teus sofrimentos e darás à luz na dor" (Gn 3,16). A Maria, porém, cuja vida estava já nos céus (cf. Fl 3,20), é dito: Ave, cheia de graça!

E observa que o anjo não disse: Ave, Maria!, mas Ave, cheia de graça! Nós, porém, dizemos: Ave, Maria!, isto é, "estrela-do-mar", porque ainda estamos em meio ao mar, somos batidos pelas ondas, submersos pela tempestade e, por isso, clamamos: Estrela-do-mar!, para chegar com sua ajuda ao porto da salvação. É ela que salva da tempestade aqueles que a invocam, que mostra o caminho, que guia ao porto. Os anjos, porém, não têm necessidade de serem salvos do naufrágio, porque já estão em segurança na pátria: o esplendor de Deus os ilumina e sua lâmpada é o Cordeiro (cf. Ap 21,23). E, portanto, o anjo não diz: Ave, Maria! Nós, miseráveis, porém, lançados no mar, distantes do olhar dos olhos de Deus, batidos a todo o instante pelas tempestades, postos nos limites da morte, imploramos a cada instante: Ave, Maria!

«O Senhor é contigo", eis o grande. Verdadeiramente grande, porque por nove meses carregou e nutriu em seu seio aquele que os céus e a terra não podem conter (cf. 1Rs 8,27; 2Cr 2,6).

«Bendita és tu entre as mulheres», eis o forte. Lemos no Livro dos Juízes: "Seja bendita entre as mulheres Jael, que estendeu a mão esquerda ao prego e a direita a um martelo de operário, e feriu Sísara na cabeça" (1z 5,24-26). E ainda, no Livro de Judite: "Uma mulher hebreia sozinha lançou a vergonha na casa do Rei Nabucodonosor. Eis que Holofernes jaz por terra e sua cabeça não está mais ligada ao tronco? de 14,16). "Ozias, príncipe do povo, disse a Judite: Filha, tu és bendita do Senhor Deus Altíssimo, sobre todas as mulheres que há na terra? Ot 13,23). O prego, com o qual fechou-se o ingresso do tabernáculo, é a virgindade de Maria. "Esta porta permanecerá fechada: não será aberta, nenhum homem passará por ela" (Ez 44,2). O martelo, que tem a forma da letra tau (T), é a cruz da paixão do Senhor. Sísara, nome que significa "exclusão da alegria", é o diabo que continuamente se esforça por excluir os homens da eterna felicidade. Ele foi morto pela virgindade de Maria e pela paixão de seu Fi-lho; ignorou o segredo de ambos e pela força de ambos foi privado de seus poderes. Com razão, pois: És bendita entre todas e acima de todas as mulheres, tu que levaste a confusão para a casa do diabo, que cortaste a cabeça do tirano e nos restituíste a paz.

E continua: "que transtorna os montes", isto é, a soberba, e "quebra os rochedos", quer dizer, a maldade e a malícia dos demônios. "O Senhor te abençoou com sua fortaleza [ó bendita entre os anjos] e por meio de ti aniquilou os nossos inimigos» (Jt 13,22), derrubou sua soberba e destruiu sua dureza.

"O Senhor não estará no vento", porque durante esta saudação do anjo não aconteceu a encarnação do Verbo. De fato, primeiro Maria pergunta de que modo, perguntando é informada, quando compreendeu dá o seu assentimento, e dando seu assentimento concebe. Deve-se proceder ordenadamente, e subir gradualmente.

15. A perturbação da Bem-aventurada Virgem: "E depois do vento, o terremoto (latim: commotio)». "Ao ouvir estas palavras [diz Lucas] ela ficou perturbada", talvez porque ouviu ser "bendita entre as mulheres", ela que já era bendita entre os anjos. Lemos no Livro de Judite: "Tu és a glória de Jerusalém, tu és a alegria de Israel, a honra do nosso povo, porque procedeste virilmente e o teu coração foi confortado por teres amado e praticado a castidade" (Jt 15,10). Talvez ficou perturbada também porque ouvia afirmar de si mesma aquilo que não se considerava ser. Escreve Gregór rio: "É característica dos eleitos ter de si mesmo um conceito muito mais modesto do que os outros a seu respeito". Perfeição da virtude é não ver a própria virtude e esconder aos próprios olhos aquilo que aos olhos dos outros é evidente. Maria nos deu o exemplo, para que também nós nos perturbemos quando somos louvados, e nos consideremos menos do que somos ou de quanto ouvimos os outros dizerem.

Lemos na História natural que as conchas, que produzem as pérolas com O OF valho que desce do céu, se de repente brilhar um relâmpago, são tomadas de um grande espanto e logo se fecham, porque temem que seu produto seja manchado. Assim também a Virgem Maria, que pelo orvalho do céu - " destilai orvalho do alto, ó céus" (Is 45,8) - concebeu a "pérola preciosa" dos anjos, perturbou-se pelo repentino relâmpago da aparição angélica. Por isso, na liturgia do Advento, cantamos: "Perturbou-se a Virgem pela improvisa luz" (Breviário Romano, antigo ofício). Assim também nós, se com o orvalho da graça queremos conceber a pérola de uma vida santa, devemos temer o súbito relâmpago do louvor humano, devemos abaixar-nos e nos humilhar e, para não nos distrairmos, fechar-nos no recolhimento, para não correr o risco de perder, por causa da aprovação dos homens, o bem que temos feito. "O Senhor não está no terremoto", quer dizer, na perturbação de Maria não aconteceu a encarnação do Verbo.

16. A intervenção do Espírito Santo. "E depois do terremoto ouve o fogo." "O Espírito Santo descerá sobre ti." Fogo que não queima, mas que ilumina.

Observa que o fogo vence todos os obstáculos; não pode ser contido, e transforma em reforço de sua ação as coisas nas quais se acende; transmite-se a tudo aquilo que de algum modo se aproxima dele; é renovador e não perde vigor quando se propaga. Do mesmo modo, o Espírito Santo, igual ao Pai e ao Filho, supera todos os obstáculos. "O Espírito do Senhor [lemos] pairava sobre as águas" (Gn 1,2), como a mente do artífice paira sobre a obra que está executando. Seu poder não pode ser contido, "e não sabes de onde vem e para onde vai" (Jo 3,8). Inflama de si as almas nas quais se acende e as torna capazes de inflamar os outros. Dá-se a todos, e os que dele se aproximam sentem seu calor. É renovador, e por isso dizemos: "Envia o teu Espírito: tudo será recriado e renovarás a face da terra" (SI 103,30). Eleva para o alto a mente, e por mais que difunda e expanda a sua graça, permanece sempre imutável em si mesmo.

Este fogo desceu sobre a Virgem e a encheu do carisma da graça. Mas nem neste fogo aconteceu a encarnação do Verbo, porque esperava o assentimento da Virgem. Realmente, ninguém pode conceber a Deus na sua mente, a não ser com o assentimento da própria mente. Tudo o que existe na alma sem o consenso não pode justificar o homem.

17. E finalmente aconteceu a encarnação do Filho de Deus. "E depois do fogo houve um sopro, o murmúrio de um vento leve", e ali estava o Senhor. "Eis aqui a serva do Senhor" - este é o murmúrio -, , "faça-se em mim segundo a tua palavra". E naquele momento "o Verbo se fez carne" (Jo 1,14).

Observa que o murmúrio se faz com os lábios um pouco estreitos. A Virgem Maria "restringiu", diminuiu a si mesma: a Rainha dos anjos declarou-se serva, e assim hoje o Senhor olhou para a humildade de sua serva (cf. Lc 1,48). E isso concorda com aquilo que lemos no Livro de Judite: "O Sumo Pontífice Joaquim veio de Jerusalém a Betúlia para ver Judite" (Jt 15,9). Joaquim, nome que se interpreta "a sua preparação", representa Jesus Cristo que disse: "Vou preparar-vos um lugar" (Jo 14,2), e que "com o próprio sangue entrou uma vez para sempre no santuário" (Hb 9,12).

Ele hoje, da Jerusalém celeste foi a Betúlia, nome que significa "casa que dá à luz o Senhor" , isto é, da Bem-aventurada Virgem Maria, que o deu à luz; ele mesmo quer vê-la pessoalmente, quer habitar nela e dela tomar sua carne.

A ele honra e glória nos séculos eternos. Amém.

VI - SERMÃO MORAL

18. "Eis um espírito grande e forte." Aqui devem ser considerados quatro eventos: a ira do juiz vindouro, a sentença contra os condenados, a geena de fogo, a glória dos bem-aventurados.

A ira do juiz vindouro: Eis um espírito grande etc. Lemos em Isaías: "Espírito de justiça para o que está sentado sobre o trono" (Is 28,6); e "Naquele dia, com sua espada inflexível, grande e forte, o Senhor visitará Leviatã, serpente forte e tortuosa, e matará o dragão que está no mar" (Is 27,1). A espada, vibrada pelo Pai no juízo, representa o Filho. Uma espada vibrada faz duas coisas: produz raios de esplendor e tremores de sombra. Assim Cristo no juízo mostrará aos justos a glória da divindade, e aos injustos a forma assumida de homem, para que vejam "aquele que traspassaram" (Jo 19,37). Essa espada é inflexível, porque não se dobrará nem por orações nem a preço algum; grande, porque alcançará a todos; forte, porque destruirá tudo.

Eis, pois, que, no dia do juízo, o Pai, na pessoa do Filho, visitará Leviatã, isto é, o diabo e seus seguidores, aquele que é chamado serpente pela esperteza, rígido, isto é, inflexível, pela soberba, tortuoso pela inveja, dragão pelas rapinas. Assim são também seus seguidores, com os quais o diabo vive numa familiaridade amarga, na amargura do pecado. Então, aquele vento "transtornará os montes" », isto é, os soberbos e os poderosos deste mundo, "e quebrará as pedras", isto é, os corações endurecidos.

19. A sentença contra os condenados. "E depois do vento, o terremoto." Diz Isaías: "Com grande fragor será despedaçada a terra" 3, isto é, o soberbo; "com grandes aberturas será desconjuntada a terra" ›, isto é, o avarento; "com grandes abalos será agitada a terra", isto é, o iracundo; "como um embriagado cambaleará fortemente a terra", isto é, o guloso e o luxurioso (cf. Is 24,19-20). Dia e noite o Senhor clama: "Vinde a mim vós todos que estais cansados" (Mt 11,28), mas eles não querem ir; naquele dia ouvirão dizer: "Ide, malditos!" (Mt 25,41). Qual será o transtorno, o estrépito, o tumulto, a dor e os gemidos, o ranger e o pranto, quando aquela fera, o diabo, for precipitado no inferno junto com todos os ímpios!

20. A geena de fogo. "E depois do terremoto, o fogo." «Eis que o Senhor virá no fogo; o seu carro será como um torvelinho, para espalhar a sua indignação, o seu furor e as suas ameaças em labaredas de fogo; porque o Senhor, rodeado de fogo julgará" (Is 66,15-16). E ainda: "Enviará fogo e vermes sobre suas carnes, serão queimados e atormentados eternamente" (Jt 16,21).

21. A glória dos bem-aventurados. "E depois do fogo, o sopro, o murmúrio de um vento leve": «Vinde, benditos de meu Pai, recebei em herança o reino" (Mt 25,34). Então, o Senhor será doce e suave, digno de louvor e amável, piedoso e benigno. Mas não será assim no espírito de indignação, no transtorno da condenação, na geena do fogo, e sim no sopro do vento leve, isto é, de sua inefável misericórdia. Sobre isso, diz Zacarias: "Eu lhes assobiarei e os congregarei, porque os resgatei" (Zc 10,8). Então, como diz Isidoro, os santos conhecerão perfeitamente o bem que lhes fez a graça, e qual teria sido sua sorte se a misericórdia divina não os tivesse escolhido gratuitamente, e como é verdadeiro aquilo que se canta no salmo: "Cantar-te-ei a misericórdia e a justiça, Senhor!" (SI 100,1).

Com absoluta certeza devemos crer que: ninguém se salvará senão pela misericórdia que não lhe é devida; ninguém se condenará senão por uma condenação que lhe é devida.

Acautelemo-nos, pois, ó caríssimos, do espírito da soberba, da perturbação da avareza e da ira, do fogo da gula e da luxúria, todas essas coisas nas quais o Senhor não está. Humilhemo-nos no sopro, no murmúrio de nossa confissão e de nossa acusação, na brisa leve da mansidão e da paz, porque aqui o Senhor está. Assim, no dia do juízo, mereceremos ouvir: «Vinde, benditos!"

No-lo conceda aquele que é bendito nos séculos. Amém.

Fonte: Sermões | Santo Antônio; tradução de Frei Ary E. Pintarelli, OFM: Vozes, 2019
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