SERMÃO DE SANTO ANTÔNIO: As Virtudes e prerrogativas da bem aventurada Virgem Maria

Em um de seus sermões para a Festa da Anunciação do Anjo preparado por Santo Antônio, o mesmo apresenta as virtudes e prerrogativas de Nossa Senhora.

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10.10.2023 13:23:39 | 10 minutos de leitura

SERMÃO DE SANTO ANTÔNIO: As Virtudes e prerrogativas da bem aventurada Virgem Maria

Observa que a Virgem Maria foi sol brilhante na anunciação do anjo, foi arco-íris que reluz na concepção do Filho de Deus, foi rosa e lírio na Natividade dele. No sol há três prerrogativas: o esplendor, o candor e o calor, que correspondem às três partes da saudação do Arcanjo Gabriel. A primeira: Ave, cheia de graça; a segunda: Não temas; a terceira: O Espírito Santo descerá sobre ti.

Quando diz: "Ave, cheia de graça! O Senhor está contigo; bendita és tu entre as mulheres" (Lc 1,28): eis o esplendor do sol. E isso pode referir-se também às quatro virtudes cardeais, cada uma das quais refulgiu em Maria de três modos. Pela temperança veio-lhe a prudência da carne, a modéstia no falar, a humildade do co-ração. Teve a prudência quando se calou na sua perturbação, quando compreendeu o significado daquilo que havia ouvido, quando respondeu ao que lhe era proposto.

Teve a justiça quando atribuiu a cada um aquilo que lhe era devido. Comportou-se com firmeza de coração no seu esponsalício, na circuncisão do Filho, na purificação estabelecida pela lei. Manifestou sua compaixão por quem sofria, quando disse: "Não têm mais vinho" (Jo 2,3). Esteve em comunhão com os santos, quando perseverava na oração com os apóstolos e as outras mulheres (cf. At 1,14). Por sua fortaleza e grandeza de ânimo assumiu a obrigação da virgindade, observou-a e teve fé naquele altíssimo compromisso.

São Bernardo afirma que "as doze estrelas postas sobre a coroa da mulher" (Ap 12,1), da qual fala o Apocalipse, são as doze prerrogativas da Virgem: quatro do céu, quatro da carne e quatro do coração, que desceram sobre ela como estrelas do firmamento.

As prerrogativas do céu foram: a geração de Maria, a saudação do anjo, a cobertura do Espírito Santo, a inefável concepção do Filho de Deus.

As prerrogativas da carne: foi a primeira de todas as virgens, foi fecunda sem corrupção, grávida sem incômodo, parturiente em dor.

As prerrogativas do coração foram: a prática da humildade, o culto do pudor, a magnanimidade da fé e o martírio espiritual, pelo qual uma espada traspassou sua alma (cf. Ic 2,35).

Para as prerrogativas do céu são referidas as palavras: "O Senhor está contigo"; para as prerrogativas da carne, as palavras: "Bendita és tu entre as mulheres"; para as prerrogativas do coração, as palavras: "Cheia de graça".

Quando diz: "Conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus" (Lc 1,31), eis o candor do sol. E como teria podido conceber o "candor da luz eterna e o espelho sem mancha", se ela própria não fosse cândida? Do candor da Mãe, o Filho diz no Cântico dos Cânticos: "O teu ventre é de marfim, guarnecido de safiras" (Ct 5,14). O marfim, que é osso de elefante, é "cândido e frio, e nisso é indicada uma dupla pureza: aquela da alma na candura, aquela do corpo na frieza. Ambos ornaram o tálamo da Virgem gloriosa.

Lê-se na História natural que o elefante é o mais doméstico e o mais obediente de todos os animais selvagens; pode ser facilmente domesticado e aprende com facilida-de, e por isso lhe é ensinado a adorar o rei, e manifesta uma boa sensibilidade. Foge sobretudo do cheiro do rato, que, como afirmam alguns, é produzido pela umidade da terra. O rato (latim: mus) é terra, afinal a terra chama-se também humo (humus).

Sob esse aspecto, o elefante pode também ser figura da Bem-aventurada Virgem, que foi a mais humilde e obediente das criaturas e adorou o Rei (o Filho) que havia dado à luz.

O rato é símbolo da luxúria, que nasce da umidade da terra, isto é, do prazer da gula. E em Maria não só não houve luxúria, mas fugiu dela até ao mínimo sinal: com efeito, perturbou-se com a aparição do anjo. A seu exemplo, todos aqueles que querem viver castamente em Cristo, não só devem fugir do rato da luxúria, mas evitar também sua menor suspeita. E não é de admirar que se deva fugir da impureza, quando o elefante, que, por sua massa, parece quase uma montanha, foge diante do rato.

Diz o Senhor por boca de Isaías: "Destruirei o nome da Babilônia, suas relíquias, sua prole e sua raça" (Is 14,22). O justo, o nazireu (consagrado) do Senhor, deve destruir o nome da Babilônia, isto é, qualquer espécie de luxúria. "Afastem-se de vossa boca as coisas velhas" (1Sm 2,3). "Minha boca não fale das obras dos homens" (SI 16,4); e destrua também todas as outras coisas, isto é, as fantasias impuras, que geralmente retornam à mente também depois que o pecado foi perdoado; a prole, isto é, a desejada sensualidade dos olhos, da qual diz ainda Isaías: "Da raiz da serpente sairá uma vibora e sua estirpe engolirá o ser alado" (Is 14,29). "Da raiz da serpente", isto é, da sugestão diabólica e do consenso da vontade, sairá uma víbora, o olho luxurio-so, "porque [afirma Agostinho] o olho impudico é indício de um corpo impudico"; e sua estirpe, isto é, a obscenidade das palavras e a insolência do riso, engolirá o ser alado, isto é, o justo. Mas ai, quantos seres alados, quantos justos, infelizmente, foram engolidos dessa maneira funesta e por esses excessos. Eis por que toda a progênie, quer dizer, toda a ocasião de luxúria, deve ser destruída e exterminada, a fim de que o ventre, isto é, a mente, possa ser cândida como o marfim. Com razão, pois, é dito: "O teu ventre é de marfim, guarnecido de safiras" (Ct5,14).

A safira é uma pedra preciosa de cor celeste. O demônio não se aproxima de uma casa na qual existe uma safira. Na safira é representada a contemplação das coisas celestes. O diabo não tem acesso a uma mente imersa na contemplação. Todavia, não sendo possível viver sempre imerso na contemplação, diz-se "guarnecido de safiras", quase para indicar que as safiras não estão em toda a parte, como também não podemos dedicar-nos continuamente à vida contemplativa. O ventre da Virgem gloriosa foi todo de marfim e guarnecido de safiras, porque sobressaía no corpo pelo candor da virgindade, e na alma pelo esplendor da contemplação.

Com as palavras: "O Espírito Santo descerá sobre ti» (Lc 1,35), é indicado o calor do sol. O calor é o alimento e a nutrição de todos os seres vivos: se vier a faltar o ca-lor, sobrevém o declínio e a morte. A morte é a extinção do calor natural no coração, pelo desfalecimento da seiva e a chegada daquilo que lhe é contrário.

Com efeito, observa que o motivo pelo qual as folhas caem das árvores é a carência de nutrimento, isto é, do calor. Quando no inverno o frio envolve externamente as árvores e as ervas, fugindo daquilo que lhe é contrário (o gelo), o calor concentra-se nas raízes: e quando nas raízes aumenta, atrai para si das profundezas toda a seiva, subtraindo-a aos ramos e às extremidades superiores, para mitigar sua intensidade e assim impedir que as partes inferiores se queimem. Por isso, vindo a faltar a nutrição nas partes altas, necessariamente as folhas caem.

O calor é a graça do Espírito Santo. Se esta se retira do coração do homem, desfalece a seiva da compunção e, consequentemente, a desventurada alma cai na morte do pecado. Acrescentando-se depois o gelo da iniquidade, o calor do Espi-rito Santo foge daquilo que lhe é contrário, e assim a alma torna-se despojada de todo o bem, porque a entrada do vício provoca a saída da virtude. Por isso, lemos no Livro da Sabedoria: "O Espírito Santo, que instrui, foge da ficção, mantém-se distante dos pensamentos insensatos e é expulso ao sobrevir a iniquidade" (Sb 1,5), isto é, é expulso, com todos os seus bens, pela iniquidade que se apodera da alma.

Mas quando chega o calor, a terra se esquenta, faz germinar as ervas e produz os frutos. Assim, após a descida do Espírito Santo, a terra bendita concebeu e deu à luz o Fruto bendito que expulsou toda a maldição. Com razão, portanto, foi dito: "O Espírito Santo descerá sobre ti. Por isso, na anunciação do anjo, Maria refulgiu verdadeiramente como o sol.

Maria foi, pois, um arco-íris que reluz na concepção do Filho de Deus. O arco-íris produz-se com o sol que entra numa nuvem, na qual existem quatro cores: a fuligi-nosa, a azul, a áurea e a ígnea. Nesse dia, o Filho de Deus, sol de justiça, entrou na nuvem, isto é, no seio da Virgem gloriosa, e esta tornou-se quase um arco-íris, sinal da aliança, da paz e da reconciliação, entre as nuvens da glória, isto é, entre Deus e os pecadores. Lemos no Gênesis: "Porei o meu arco nas nuvens e ele será o sinal da aliança entre mim e a terra" (Gn 9,13).

Nota que as nuvens eram duas: a ira de Deus e a culpa do homem. Deus e o homem combatiam entre si. Deus, com a espada de sua ira, feriu o homem e o condenou à morte; o homem, com a espada da culpa, pecou mortalmente contra Deus.

Mas depois que o sol entrou na Virgem, foi feita a paz e a reconciliação, porque o próprio Deus e Filho da Virgem, dando completa reparação ao Pai pela culpa do ho-mem, refreou a ira do Pai a fim de que não ferisse o homem. Essas duas nuvens são chamadas "glórias", porque foram dispersas por obra da Virgem gloriosa.

Observa que no arco de cor fuliginosa é indicada a pobreza de Maria; naquele de cor azul, a sua humildade; naquele de cor áurea, a sua caridade; e naquele de cor ígnea, a sua intacta virgindade, cuja chama não pode ser dividida ou danificada por nenhuma espada. Desse arco diz o Eclesiástico: "Contempla o arco-íris e bendize aquele que o fez; é muito formoso no seu esplendor. Ele cercou o céu com um círculo de glória" (Eclo 43,12-13). Contempla o arco-íris, isto é, considera a beleza, a santi-dade, a dignidade da Bem-aventurada Virgem Maria e bendize com o coração, com a boca e com as obras o seu Filho, que a quis assim. É verdadeiramente estupenda no esplendor de sua santidade, acima de todas as filhas de Deus. Ela cercou o céu, isto é, circundou a divindade com um círculo de glória, quer dizer, com sua gloriosa humanidade.

Eia, pois, Senhora nossa, única esperança! Ilumina, suplicamos-te, a nossa mente com o esplendor de tua graça, purifica-a com o candor de tua pureza, aquece-a com o calor da tua presença. Reconcilia a todos nós com teu Filho, a fim de que possamos chegar ao esplendor de sua glória.

No-lo conceda aquele que hoje, ao anúncio do anjo, quis tomar de ti a sua carne gloriosa e permanecer fechado por nove meses no teu tálamo. A ele a honra e a glória pelos séculos eternos. Amém.

Fonte: Sermões | Santo Antônio; tradução de Frei Ary E. Pintarelli, OFM: Vozes, 2019
Imagem: Macerata, Ascoli Piceno, Loreto
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