A encarnação do Verbo como centralidade no Carisma Franciscano

Este artigo propõe uma reflexão acerca da Festa da Anunciação que celebraremos neste dia 25 de março. A encarnação do verbo tem um lugar especial na espiritualidade franciscana e ainda hoje conduz e norteia o pensamento de tantos homens e mulheres que seguem o caminho de Francisco de Assis.

Artigos

25.03.2023 14:20:59 | 6 minutos de leitura

A encarnação do Verbo como centralidade no Carisma Franciscano

Vários são os pensadores franciscanos que escreveram verdadeiros tratados sobre a Virgem Maria, lembramos aqui, por exemplo, Santo Antônio de Pádua, São Boaventura, Beato João Duns Scotus e tantos outros que contribuíram com a Mariologia ao longo da história. Mas é interessante perceber que todos estes partem de uma visão já contida no início do carisma com São Francisco de Assis, que dirigia um olhar atencioso para Maria.

A Festa que celebramos, que tem sua origem nos primeiros séculos do cristianismo, recorda um dos momentos bem venerado pelo santo de Assis. Celebrar o mistério da Anunciação do Anjo a Virgem Maria para Francisco era reverenciar o gesto amoroso do Pai que, com o anúncio da Encarnação do Filho de Deus à Virgem Maria, entrou em nosso mundo fazendo-se humano como nós. Ao lembrar este fato, o santo escreveu aos fiéis:

"Esta Palavra do Pai tão digna, tão santa e gloriosa, o altíssimo Pai a enviou do céu por meio de seu santo anjo Gabriel ao útero da santa e gloriosa Virgem Maria, de cujo útero recebeu a verdadeira carne da nossa humanidade e fragilidade. Ele sendo rico, acima de todas as coisas, quis neste mundo, com a beatíssima Virgem, sua Mãe, escolher a pobreza." (Carta aos Fiéis II Recensão 4-5)

A encarnação do Verbo

O tempo de Francisco está marcado por diversas heresias cristológicas que questionavam a natureza de Jesus, a encarnação do verbo etc. Na busca de examinar estas ideias, em diversos escritos, o santo apresentou claramente a compreensão sobre a natureza de Cristo, lembrando a sua natureza corpórea-espiritual, assim também como o papel de Maria que o levou no ventre e em sua pobreza deu à luz ao Filho de Deus em um estábulo em Belém. 

O movimento antes iniciado na Igreja de buscar construir um Cristo glorioso e Pantocrátor, encontra ao longo da história, chegando a Francisco, num rosto diferenciado. Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, foi aquele que se esvaziou de sua condição divina e vai ao mais profundo da condição humana, A partir de sua experiência, este é o Jesus que estava no centro da vida do poverello de Assis, o qual buscou abraçar em toda a sua existência.  

Essa imagem do verbo encarnado fez com que Francisco pudesse, em seus escritos, apresentar aquilo que Paulo deixou em sua Carta aos Filipenses, naquilo que ficou conhecido como hino cristológico, sobre a Kênosis de Cristo (Fl 2), lembrando que o "Senhor da Majestade desceu do seu trono real para o útero da Virgem Maria”, fazendo-o entender as diversas descidas do Senhor que o convidava a cada vez mais assumir uma posição de minoridade em uma vida kenótica.

A imagem de Maria na Encarnação

Se fossemos aqui falar da devoção de São Francisco a Virgem Maria poderíamos construir um longo texto, lembrando dos seus lugares de devoção e de grande importância para a Ordem, como a Porciúncula, nos diversos escritos franciscanos que temos acesso. 

A partir da festa conjunta de Cristo e da Virgem, celebrada neste dia 25 de março, podemos perceber que São Francisco por diversas vezes buscou apresentar a encarnação do Filho de Deus, que compartilha a pobreza de sua pobre Mãe. (Manual de Teologia Franciscana p. 258). A partir de sua vida devota e sua experiência mística, Francisco apresenta a maternidade Divina de Maria e sua ligação com a Trindade, sendo templo e morada do Senhor, mãe do verbo e esposa do Espírito Santo. 

Um dos escritos franciscanos que mais traduz esta maternidade, por exemplo, é a "Saudação a Mãe de Deus" que, embora não tenha uma datação específica é uma resposta de exaltação a figura de Maria em uma época em que aos poucos os estudos marianos ganhavam espaços, em meio ao grande preconceito existentes em relação a figura feminina, olhada muitas vezes sob uma ótica de submissão, sinal de pecado e de segunda classe. Vale recordar, por exemplo, a figura de Eva, lembrada como a responsável por levar Adão ao pecado; a caça às bruxas e ainda o papel das mulheres em meio a sociedade como objeto de prazer e responsável em cuidar unicamente dos afazeres domésticos. 

A partir de várias imagens apresentadas na Saudação, a Virgem Maria é apresentada em um lugar de profunda relação com a Santíssima Trindade. Ela é a Virgem feita Igreja, escolhida pelo Santíssimo Pai e onde residiu e reside toda plenitude da graça e todo o bem. Continuando a leitura do texto nos deparamos com o que podemos considerar uma base para a grande devoção de São Francisco, a encarnação do verbo: "Salve, ó Palácio do Senhor! Salve, ó Tabernáculo do Senhor! Salve, ó Morada do Senhor! Salve, ó Manto do Senhor! Salve, ó Serva do Senhor! Salve, ó Mãe do Senhor!"

Maria, além de todos os elementos apresentados nos primeiros versos do texto, é o Edifício escolhido para habitação de Deus. "Maria foi querida por Deus, porque a havia predestinado a ser o templo vivo do Filho que ela acolheria com seu consentimento cheia de fé e com profundíssima humildade”. (Manual de Teologia Franciscana p. 263).  

Poderíamos fazer ainda outros paralelos de textos franciscanos que lembram a narração de Lucas sobre a Anunciação do Senhor. Por exemplo, quando nos deparamos com o termo Esposa do Espírito, na Antífona do Ofício da Paixão do Senhor, como não lembrar do que encontramos no texto bíblico em que o Anjo fala à Virgem que “O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra. Por isso, o menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus." (Lucas 1,26-35)

Maria, tão citada e tão presente na vida de São Francisco, inspirou-o a também dar um sim a Deus e a gerar ao mundo a vontade do Pai.

A festa celebrada nos convida a olhar a mistério da encarnação acreditando que todos nós podemos também, através do nosso sim, gerar Jesus ao mundo a partir do bom exemplo. Assim como a Virgem Maria, podemos também ver repousar em nós o Espírito do Senhor, fazendo de nós uma habitação para si, nos tornando filhos, esposos, irmãos e mães de Nosso Senhor Jesus Cristo, a partir do momento que perseverarmos no amor a Deus, aos irmãos e na conversão. 

Fonte: Frei Roberto Alves, OFM
Mais em Artigos
 

Copyright © Província Franciscana de Santo Antônio do Brasil.
Direitos reservados, acesse a política de privacidade.

X FECHAR
Cadastre-se para
conhecer o
nosso carisma