A beleza da criação nos precede, pois o ser humano é o beneficiado pelo o dom da ação criadora de Deus na história. Como um maestro ao compor uma melodia revela algo de si mesmo na arte musical. O Criador, no ato de criar, deixa o reflexo e os sinais de sua identidade.
Na cadência de ritmos do cosmos num contínuo movimento transparece a ativa atuação de Deus como fonte de tudo o que existe, de uma forma harmoniosa “Ele ordenou e as coisas todas existiram” (Sl 32,9). Só Ele existe antes do tempo. Ele é eterno e incriado.
Em seu projeto de amor, a criação, da qual ser humano é parte, sempre esteve no pensamento de Deus. Assim, como um pai zeloso, Ele os acompanha, e “contempla do lugar onde reside e vê a todos o que habitam sobre a terra” (Sl 32,14).
Como em uma partitura apresenta de um compasso a outro a dinâmica da interpretação melódica. A criação é uma ação aberta, seu encanto e esplendor são visíveis aos olhos humanos. Cabe ao ser humano perceber e cultivar o jardim que Deus criou para ele, a casa comum.
Na cosmogonia, narrativas sobre a origem do mundo e do ser humano, estão presentes em todas as culturas. A Bíblia, por exemplo, no livro do Gênesis, traz duas narrativas cosmogônicas: 1,1-2,4a (da tradição sacerdotal) e 2,4b-4, 26 (da tradição javista).
Na mitologia grego-romana, o poeta Ovídio propõe cantar as metamorfoses por que o mundo passou, desde a sua origem. Todavia, o poeta Ovídio percebe com desencanto que tais transformações não foram ocorridas de modo harmonioso. É, então, que ele diz: “um deus pôs fim a essa luta e dispôs melhor a natureza; eis que afastou a terra do céu e os mares da terra. Depois de haver desenvolvido essas coisas e as arrancando da massa confusa, ligou-as pela Paz e pela concórdia, dando a cada uma o seu lugar”. (NASO, 1992, P. 212-215).
Há nesta Metamorfose de Ovídio uma evidência inequívoca a verdade, o deus que o poeta Ovídio relata nas Metamorfoses é na verdade o que nós podemos identificar, Deus, o grande Artífice da obra da criação, que pela sua sabedoria pôs todas as coisas em ordem.
Ainda nesse contexto, podemos fazer alusão à narração da criação no livro do Gênesis; “No princípio criou Deus os céus e a terra...” (Gn 1,1), não foram os deuses que deram origem ao cosmos, a natureza e nem mesmo as pôs em uma ordem como Ovídio canta as Metamorfoses, mas sim, Deus. A criação proveio de uma fonte criadora, Deus, que tudo criou, segundo a sua ordem.
O ser humano na sua condição de criatura recebe todo o cuidado, carinho e benevolência do seu Criador. Segundo o salmista “Que é o homem para dele lembrares o tratardes com tanto carinho? (Sl 8,5). De fato, tudo o que Deus criou foi por amor. “A criação pertence à ordem do amor”. O amor de Deus é a razão fundamental de toda a criação” (LAUDATO SI`, n.76).
O pai da música clássica, o alemão Johann Sebastian Bach, iniciou suas composições, todas elas eram destinadas para serem tocadas ou cantadas nas igrejas. Sua obra musical “A Paixão segundo São João”, era destinada à liturgia da sexta-feira Santa. Em uma das árias, aparecem elementos do diálogo entre o ser humano e o Redentor pregado na cruz:
Meu Salvador bem-amado deixa-me te perguntar agora que estás pregado à cruz. E que tu mesmo disseste: tudo está consumado! Estarei eu libertado da morte? Poderei eu, por teu sofrimento e morte herdar o reino dos céus? A redenção do mundo inteiro está próxima? A dor nada te permite dizer. Tu inclinas, pois, a cabeça e dizer, silenciosamente, sim.
Nesta obra musical de Bach, podemos dizer que segundo o Cardeal João Braz “A beleza expressa na genialidade musical vinha interpretada como propedêutica à fé” (Contemplai n.33). Levando-nos ao encontro do mistério divino, o acontecimento salvífico não só para a humanidade, mas toda a criação.
Em Cristo Jesus, a obra da criação é levada à sua plena realização e salvação, pois “o destino da criação inteira passa pelo mistério de Cristo, que nele está presente desde a origem” (LAUDATO SI`,n. 99). Como princípio centro e fim de tudo o que existe, em Cristo Jesus “foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra” (Cl 1,16).
São Francisco de Assis, o cantor da criação, em sua profunda sensibilidade de alma e coração soube expressar no Cântico das Criaturas a magnífica maravilha do Deus Criador. Francisco, ama a criação e abraça amorosamente toda a comunidade de vida e se une ao mundo exterior das criaturas em um encantamento orante.
Ao refletir e contemplar a criação como uma sinfonia em louvor ao Criador. É possível escutar na beleza da criação, no som produzido pela própria natureza, no movimento das árvores, as folhas que caem, os pássaros cantando, a voz de Deus, que ecoa para os confins do mundo e no íntimo do coração da criatura humana pela busca do seu Criador. O ser humano sabe onde pode buscar as respostas para suas inquietações. Porém, acaba se dispersando com outros sons, esquecendo o verdadeiro som, que podemos chamar de fé, que brota do coração e o leva para o encontro com o divino.