Deus só conhece a Vida
Acompanhe o artigo de Frei Pedro Júnior que nos chama a uma reflexão ressaltando que não é do interesse de Deus a morte, mas a vida que levamos aqui na terra. Reflita conosco, neste dia que celebramos os Fieis Defuntos.
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02.11.2023 11:45:18 | 4 minutos de leitura

Ao ler o tema acima pode causar estranheza aos leitores, pois se Deus só conhece a vida, o que seria então a morte, já que se trata de uma realidade que, segundo Freud é a mais difícil de ser digerida pelo aparelho psíquico humano? A morte então seria a última resposta? Seria a realidade mais certa?
Estamos precisamente no mês de novembro em que rezamos pelos falecidos e, portanto, um bom momento para pensarmos à morte. Desde os primeiros séculos se evidencia entre os cristãos, a crença na oração pelos falecidos e visitas aos túmulos dos mártires. A partir do século V, a Igreja guarda um dia no ano para essa devoção que não se trata de saudades apenas, mas de oração pelos fiéis defuntos que já partiram na esperança da ressurreição. Como nos recorda São Paulo: “A esperança não decepciona” (Rm 5, 5a),
A Bíblia se refere a dois tipos de morte: a morte física, que acontece com todas as pessoas quando os órgãos param de funcionar e a morte espiritual, quando elas não mantêm um relacionamento com Deus. O Antigo e o Novo Testamento falam da morte de maneira diferente. No Antigo fala mais da morte física (Gn 2, 17) e o que significa para os israelitas; Já o Novo, fala mais de morte espiritual (Hb 9, 27). Relata a história da vida de Jesus Cristo na Terra, que inclui sua morte e ressurreição.
Vale lembrar que na origem, a sentença da morte só foi pronunciada contra os homens depois do pecado de Adão nosso primeiro pai. Pois Deus não fez a morte (Sb 1, 13); ele havia criado o homem para a incorruptibilidade, e a morte, qual a experimentamos, só entrou no mundo pela inveja do demônio (Sb 2, 23s). O domínio dela sobre nós tem, portanto, um valor de sinal: “ele patenteia a presença do pecado aqui na terra”.
Nos dizeres do teólogo Leonardo Boff no artigo intitulado A transfiguração na morte ele diz: “o sentido que damos a morte é o sentido que nós damos a vida. Se decidirmos que a vida se resume entre o nascimento e a morte e esta detém a última palavra, então a morte ganha um sentido, diria, trágico, porque com ela tudo termina no pó cósmico. Mas se interpretarmos a morte como uma invenção da vida, como parte da vida, então não a morte, mas a vida constitui a grande interrogação”. A vida não se acaba na morte. Para Francisco de Assis, por exemplo, a morte é “a porta da vida “, isso é, o ingresso ao mundo que não conhece a morte, onde não há o tempo, mas só a eternidade. Como nos fala Jó: “Eu mesmo o verei...” (Jo 19, 27a)
Dessa forma, a tradição franciscana pode contribuir com a troca de uma visão de que a morte é o fim último, para uma visão mais celebrativa da mesma. Francisco, diante da morte que todos abominam chegou a louvar a própria morte e convidou-a com hospitalidade: “Bem-vinda seja a minha irmã morte” (2Cel 217). Podemos intuir que Francisco de Assis não morre a sua morte, mas a morte de Jesus”. Enquanto os frades choravam, ele celebrava; Pediu pão, abençoou-o, partiu, deu para os presentes e ainda pediu que lesses o Evangelho de São João que dizia: “Antes do dia da festa da Páscoa...”. Sua liberdade era tal que desejava se unir totalmente a Deus e, esta “passagem” é a única forma para entrar nessa comunhão total.
João no Evangelho de hoje nos esclarece que Jesus veio fazer a vontade do Pai e a vontade Dele é não perder ninguém e o ressuscitar no último dia. Portanto, não é do interesse de Deus a morte, mas a vida que levamos aqui na terra. São Bernardo de Claraval afirmava que a nossa vida nesse mundo é semente da eternidade, por isso, devemos cuidar para não perdermos a “esperança da feliz ressurreição”. Se a morte nos entristece e nos deixa entregues a dor, a promessa da imortalidade consola. Como nos diz Dom Pedro Casaldáliga, a alternativa cristã é: ou a vida ou a ressurreição. E como herdeiro da tradição franciscana afirmo: Deus só conhece a vida. Viva a vida!
Fonte: Frei Pedro Júnior, OFM