E rezem pelos defuntos
A partir de textos franciscanos, Frei Roberto convida para uma reflexão sobre a irmã morte, como era chamada por São Francisco.
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02.11.2023 12:12:53 | 5 minutos de leitura

A cada dia 2 de novembro, somos chamados de forma especial a fazer nossas preces aos fiéis defuntos. A Igreja convida a todos os crentes a fazer um movimento de piedade marcado pela saudade de nossos entes queridos. Mas, a recordação, as flores sobre os túmulos, as velas acesas e as intenções colocadas nas celebrações, devem nos levar para uma dimensão ainda mais profunda deste dia: a crença na vida eterna.
Convido-te que ao ler estas linhas, neste dia, façamos um esforço em dirigir o nosso olhar para a figura de São Francisco de Assis e conseguir ver no seu testemunho sua profunda relação com a morte não como um fim em si mesmo, mas considerar a morte como esta irmã que nos toma pela mão e nos conduz ao encontro definitivo com o Pai. Como um bom contemplativo, o Pai Seráfico percebeu que nos ciclos da vida a morte é parte integrante. Vivendo em uma sociedade que busca anestesiar ou desviar do terror que envolve o morrer, queremos aprender de Francisco de Assis que abraçou a vida em sua integralidade um caminho para hoje olharmos o luto como o movimento que direciona o nosso olhar com esperança para uma alegria perene que está na vida eterna.
As fontes franciscanas estão repletas de exemplos e textos onde encontramos caminhos para acolher a morte como irmã, assim era chamada pelo poverello. Entre estes textos, temos o Cântico das Criaturas composto em 1225. Em meio a um momento doloroso, Francisco de Assis se une a toda a criação em um louvor perene acreditando que sendo criatura de Deus, um dia a Ele voltaremos. Podemos voltar o nosso olhar para a penúltima estrofe deste texto e lembrar a forma relacional do jovem de Assis com a irmã morte enfatizando inclusive que ela vem a todos, desde os mais fracos aos mais fortes e para acolhê-la bem, é preciso antes de tudo uma vida reconciliada e perdoada, e bem sabemos pelos seus hagiógrafos, que assim Francisco de Assis morreu no dia 3 de outubro de 1226, como uma sentinela, sobre o solo de Assis, em fraternidade e acolhendo a cara e querida irmã morte. Aprendemos assim com Francisco de Assis que "essa vida em plenitude com Ele [Deus] já vivemos em uma perspectiva escatológica quando aqui somos irmãos e irmãs de todos.”.
Muitos autores buscaram ao longo do tempo, estampar em quadros, descrever nos livros a morte com uma imagem pesada, com uma foice na mão pronta para ceifar vidas. A sociedade nos leva a olhar para a morte com medo ao perceber que somos seres limitados, nos roubando a ideia de donos do tempo e da vida. Para Francisco de Assis a morte é uma irmã, por isso faz parte da família, e não pode ser olhada de forma tão negativa e horrenda. Ouvindo uma vez certo texto que narra o trânsito de nosso Pai seráfico, ouvi uma profunda fala do santo no fim de sua vida, que me chamou a atenção: “se a gente acolhe a morte de forma triste, ela vem até nós com uma cara fechada, mas se acolhemos sorrindo ela vem até nós com um sorriso largo”. Mas, claro que perder pessoas especiais, inclusive muitas vezes de forma tão cruel e prematura não é fácil, por isso voltemos o nosso olhar para uma oração de autoria anônima, mas sendo atribuída a São Francisco de Assis, pode nos ajudar a viver um processo de acolhida desta irmã, quando rezamos: "é morrendo que se vive para a vida eterna.”.
De forma muito simples, com poucas palavras e direta, na Regra Bulada onde celebramos 800 anos neste ano, Francisco de Assis convida os seus irmãos a rezar pelos defuntos (Regra Bulada 3, 4). Este gesto pode parecer simples, de piedade para comunidade franciscana, mas a partir da espiritualidade da vida do santo de Assis podemos entender que o convite à oração está ligado à forte crença na vida eterna que une a fraternidade terrena com a celeste. Ao rezar pelos finados, os frades reafirmam o sentido da morte à luz do Mistério Pascal da Morte e Ressurreição de Cristo, onde está nossa única esperança.
O dia 2 de novembro assim deve nos lembrar da importância de em meio às lágrimas e ausências, algo não pode deixar de preencher o nosso coração: o desejo pela vida eterna como professamos em nossa fé. A celebração deste dia, assim como fez Francisco de Assis nos ajuda a ancorar a nossa vida passageira no eterno, onde nos processos vividos aqui, conseguiremos um dia a eternidade na casa do Pai.
Fonte: Frei Roberto Alves, OFM | Correção: Frei Artur Secundino, OFM
Imagem: Rodrigo Castro Lima