Qual o motivo de nossa Consagração?

A vida é regida pela lei da transformação e, dependendo dos valores que cada um carrega, emitir juízos sobre tais modificações se apresenta como uma tentação. Em se tratando do tema da vocação, não é difícil perceber as afeções do tempo presente. Considerando esse contexto, Frei Elivânio Luiz que é um frade estudante de teologia na Terra Santa emite seu ponto de vista num texto pessoalmente provocador:

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13.08.2022 12:13:15 | 7 minutos de leitura

Qual o motivo de nossa Consagração?

“Vivemos em um momento da história que inevitavelmente tem afetado não somente as estruturas da sociedade, mas também toda uma realidade eclesial na Igreja do século XXI. Nos últimos anos se fala de uma constante crise de vocações para a vida religiosa e sacerdotal: conventos vazios, presenças de comunidades religiosas sendo fechadas, seminários sendo fechados e por todos os lados um constante esmorecimento daqueles que já estão nesse caminho há um bom tempo.

Se por um lado é possível que os efeitos desse fenômeno estejam supostamente ligados à falta de decisão e adesão verdadeira Àquele cuja vida dá sentido ao ser religioso: Jesus e a mensagem transformadora de seu Evangelho, por outro lado, um grande crescimento de novas expressões de vida consagrada está surgindo com muito vigor, seja como consequência da espiritualidade da Renovação Carismática Católica - movimento que surgiu na Igreja a pouco mais de 50 anos - ou como comunidades de leigos que vivem a espiritualidade de fundadores de outros carismas já existentes no passado. Nesses novos movimentos é possível perceber um desejo forte de retorno as origens da VRC, não como um retorno ao rigorismo do uso de vestes, das disciplinas, flagelos e outros elementos que, a partir do olhos de hoje, expressam escândalo e exagero; mas um retorno necessário e indispensável ao centro de nossa vida, onde está a pessoa de Jesus.

Nesse sentido, o vínculo com Jesus realiza-se por meio da intimidade na oração, do trabalho como modo de participação aos sofrimentos dos pobres, e da vida de despojamento como participação a vida de Cristo que em sua totalidade assumiu nossa pobreza humana por amor.

Particularmente acredito que nossa vida de fé e, mais ainda, nossa consagração religiosa devem estar alicerçadas com muita convicção e coragem na Árvore Verdadeira da qual somos os ramos e recebemos a linfa vital para permanecermos firmes e fieis ao compromisso assumido diante de Deus e diante de seu povo

É difícil inferir o porquê de algumas Ordens e Congregações religiosas antigas, sejam elas de vida apostólica ou contemplativa, estejam tão marcadamente afetadas pela perda de vocações ou diminuição do ardor inicial pela vida abraçada com a consagração definitiva ou temporária. Podemos fazer uma pequena reflexão da atual situação que não surgiu no terceiro milênio mas que vem de longa data.

Partindo de uma reflexão pessoal, vejo que tal crise existe não porque o trabalho vocacional não seja bem feito, pelo contrário, até adotamos métodos infalíveis de “marketing vocacional”. Porém, independentemente do modo ou do jeito que fazemos nossa propaganda vocacional que se intenciona a transmitir a beleza da VRC aos jovens sedentos do discernimento vocacional, é preciso ter cautela para não transformamos os momentos vocacionais em uma espécie de terapia de autoajuda ou consultas ao psicólogo onde se dirá no fim se alguém tem ou não vocação. Particularmente acredito que é preciso focar no essencial: ensinar ou ajudar os jovens vocacionados a amar Cristo e a Igreja é o caminho onde eles poderão fazer um verdadeiro discernimento vocacional.

Por que percebemos tantos problemas com jovens religiosos, de perda de motivação, de escândalos, falta de entusiasmo, infidelidade aos votos de pobreza, castidade e obediência? O que significa de verdade vida consagrada? VRC é viver em comunidade e partilhar do mesmo pão, da mesma casa, das mesmas coisas, dos trabalhos fraternos e pastorais e é também o canto junto pelas belezas da vida fraterna. Mas é também reconhecer que ela possui sombras, que somos humanos, que temos lutas diárias, crises e problemas financeiros. No entanto, fazer tudo isso e reconhecer nossas fraquezas não terá sentido se for esquecido o motivo de nossa consagração ou perdemos a confiança na divina providência.

Ano após ano repetimos as mesmas coisas que nos cansam e muitas vezes nos desmotivam a dar passos em nosso crescimento espiritual e humano. Nossos retiros anuais ao invés de falar da vida em Deus, são substituídos para debatermos sobre problemas e projetos pessoais. Devemos cuidar para não nos ocuparmos demais com o aparente fazer sem cuidar do como sentimos, rezamos ou como estamos nos esforçando para vivermos a proposta evangélica de amor aos pobres e desventurados do Reino e aqueles que não tem por quem gritar.

Onde estão os gritos de grandes homens e mulheres santos como Francisco de Assis, Domingos de Gusmão, Pedro de Alcântara, Clara de Assis, Teresa d’Ávila, Helder Câmara, Padre Cicero, Frei Damião, Padre Ibiapina, Dulce dos pobres, Teresa de Calcutá, Oscar Romero e uma infinidade de tantos outros santos de ontem e de hoje que tantas vezes dizemos: que bela vida, que belo testemunho? Nos gloriamos dessas pessoas, mas na verdade quando vemos qualquer sinal de santidade em nossas casas religiosas logo começamos a rotular de piedoso ou até mesmo a perseguir e dizer que são pessoas exageradas e nos esquecemos que a Cruz do Senhor foi e é um exagero para o mundo. Onde estão os jovens consagrados corajosos e capazes de gritar por um mundo de justiça e paz? Onde estamos nós que devemos gritar com a profecia de nossa vida consagrada e com todas as nossas forças que O MOTIVO DE NOSSA CONSAGRAÇÃO É A PESSOA DE JESUS CRISTO que, por sua vez, não é uma ideia filosófica ou instrumento de nossas especulações. Não nos consagramos baseados em a uma ideia abstrata, a uma instituição ou a um grupo de pessoas, nos consagramos a uma pessoa concreta e viva Jesus Cristo, a quem chamamos de Nosso Senhor. Se perdermos o sentido da vida doada, então não vale a pena e não tem nenhum valor nem instituição, nem a pastoral ou tudo o quanto fizermos. Tudo o que fizermos é, antes de mais nada, para ele Ele com quem somos convocados a experimentar, ou menor, participar de sua vida divina.

Percebemos quantos jovens hoje buscam nos religiosos uma autentica vivência da radicalidade evangélica. Buscam o testemunho de pessoas ousados e capazes de fazer grandes renuncias por causa de um Amor que supera todas as paixões deste mundo. Amor esse que nos faz sair de nós mesmos e não buscar na vida religiosa o conforto e a comodidade que esta pode nos oferecer, mas buscar cotidianamente escutar a voz d’Aquele que fala ao nosso coração e nos convida a nos abandonar cegamente a Sua divina vontade. Deixar-se guiar por essa vontade muitas vezes nos causa medo e nos faz recuar. Deus nos pede coisas que certamente serão incompreendidas. Quantos religiosos abandonam a vida religiosa por medo das perseguições geradas como consequência de uma decisão de vida radical. Me pergunto todos os dias se mostrar que é religioso é ofensivo ou pecado.

Sem perceber, muitas congregações e ordens religiosas vivem em silêncio interior e exterior, não são capazes de mostrar ao mundo que a VRC é na Igreja sinal da vida escatológica. Se pretende a ser sinal de algo para além do que vivemos no hoje e no agora.

Acredito que precisamos abrir os nossos olhos, mais ainda, precisamos abrir o nosso coração, subir à montanha ou irmos ao deserto para nos encontrarmos por meio da escuta do Mestre na oração, e pedirmos que Ele nos diga o que devemos fazer, e não ao contrário.

Enfim, que não nos esqueçamos que o primeiro motivo de nossa consagração é tender à santidade por meio dos conselhos evangélicos e nos unirmos a Cristo, e gastar nossa vida pelos outros. Se perdermos isto então não creio que faz sentido continuar”.

Fonte: Frei Elivânio Luiz, OFM
Imagem: Frei José Hélio, OFM
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