SERMÃO DE SANTO ANTÔNIO: Aos pobres de espirito, aos religiosos ou aos claustrais
Acompanhe um trecho do Sermão de Santo Antônio referente ao Segundo Domingo do Advento onde ele destina uma reflexão a partir do exemplo de São João aos Religiosos.
Sermões
27.06.2023 14:23:14 | 8 minutos de leitura

16. "O que fostes vós ver no deserto? Uma cana agitada pelo vento? Mas o que fostes ver? Um homem vestido de roupas delicadas? Mas os que vestem roupas delicadas encontram-se nos palácios dos reis" (Mt 11,7-8). Veremos o significado moral do deserto, da cana, do homem vestido de roupas delicadas.
O deserto simboliza a religião, a ordem religiosa. E sobre isso concordam as palavras de Isaías: "A terra deserta e sem caminhos se alegrará, a solidão exultará e florescerá como o lírio. Lançará germes, ela brotará copiosamente e exultará de alegria e de louvores" (Is 35,1-2).
Em cada ordem religiosa, devem absolutamente ser observadas três virtudes: a pobreza, a castidade e a obediência; e essas três virtudes são exigidas na citação de Isaías. A pobreza quando diz: "Alegrar-se-á o deserto"; a castidade quando acrescenta: "Florescerá como o lírio"; a obediência quando conclui: "Lançará germes e crescerá.
A pobreza: "Alegrar-se-á o deserto". O religioso que quer observar verdadeiramente a pobreza, deve fazer três atos: primeiro, renunciar a qualquer bem terreno; segundo, não ter nenhuma vontade de possuí-lo no futuro; terceiro, suportar com paciência as privações inerentes à própria pobreza. Esses três atos são indicados pelas palavras: deserto, terra sem caminhos e solidão. A vida do religioso deve ser deserta, na renúncia a qualquer bem terreno; sem caminhos (latim: invia, sem caminho), isto é, que na sua vontade não reste nem sombra do desejo de possuir alguma coisa. A propósito diz Isaías: "O deserto tornar-se-á um Carmelo e o Carmelo será considerado um vale" (Is 32,15). Carmelo interpreta-se "conhecimento da circuncisão"
Portanto, o deserto, isto é, a ordem religiosa, tornar-se-á um Carmelo, isto é, uma circuncisão no que se refere à renúncia aos bens terrenos; e a renúncia aos bens será um vale, naquilo que respeita à vontade de não possuir. Quem está livre desses dois laços, com justiça pode alegrar-se e cantar: A minha alma está livre do laço dos caçadores (cf. SI 123,7). Alegrar-se-á, pois, o deserto e a terra sem caminhos.
A essas duas qualidades deve-se acrescentar a terceira: o religioso saiba sofrer a fome e a sede e suportar as privações (cf. Fl 4,12). E assim haverá a "solidão que exultará" quando suportar com paciência essas necessidades e outras semelhantes.
17. A castidade: "Florescerá como o lírio". O lírio (latim: lilium, que soa quase como lacteum, lácteo) simboliza o candor da castidade. Diz Jeremias: "Os seus nazireus eram mais cândidos do que a neve, mais brancos do que o leite" (Lm 4,7).
A eles o Senhor promete por boca de Isaías: Não diga o eunuco, isto é, aquele que se castrou por causa do Reino dos Céus, que prometeu a continência: "Eis que eu sou como uma árvore seca. Pois isso diz o Senhor: Aos eunucos, que observam os meus sábados", isto é, a pureza do coração que é o sábado do espírito, e "escolheram aquilo que eu quero", isto é, a castidade do corpo, da qual diz o Apóstolo: "Esta é a vontade de Deus, a vossa santificação, a fim de que cada um saiba manter o próprio corpo com santidade e respeito" (1"Ts 4,3-4), "e observaram o meu pacto", o pacto concluído comigo no batismo, "darei na minha casa", na qual "há muitos lugares, e dentro dos meus muros", dos quais se diz no Apocalipse "que são construídos com pedras de jaspe" (Ap 21,18), pedra preciosa de cor verde que representa a exultação da eterna verdura (juventude), dorei, repito, um lugar do qual diz João: "Vou preparar-vos um lugar" (Jo 14,2), e "um nome mais belo", isto é, mais excelente, que terá mais valor do que "ter gerado filhos e filhas" » «um nome eterno", do qual diz o Apocalipse: "Escreverei sobre ele o nome do meu Deus e o nome da cidade do meu Deus, da nova Jerusalém, e o meu nome novo" (Ap 3,12). Terá o nome de Deus porque será semelhante a Deus e o verá como ele é (cf. 1Jo 3,2): "Eu disse: Sois deuses" (SI 81,6); terá o nome de Jerusalém porque estará na paz; terá o nome de Jesus, porque foi salvo. "Terá um nome eterno que jamais será apagado" (Is 56,3-5), que jamais cairá no esquecimento.
18. A obediência: "Lançará germes e crescerá, e brotará copiosamente e exultará de alegria e de louvores". Observa que a verdadeira obediência tem em si mesmo cinco qualidades, indicadas precisamente nas cinco palavras acima mencionadas. A verdadeira obediência é humilde, devota, pronta, alegre e perseverante.
Humilde de coração: é o que indica a palavra "lançará germes". O germe é como o início da flor, e a humildade é o início de cada obra boa. Devota na voz, indicada na palavra "crescerá". Da humildade do coração procede o respeito, também no tom da voz. Pronta ao comando, e a isso se refere a palavra "exultará". Diz o salmo: "Exultará como um forte que percorre o caminho" (SI 18,6). Alegre no sofrimento, e isso é indicado na palavra "com alegria" perseverante na execução das ordens, e então será também "cheia de louvor", porque todo o louvor se canta no fim.
Ó religiosos, assim deve ser o deserto de nossa ordem, no qual viestes habitar saindo da vaidade do mundo. Por isso, disse-vos o Senhor: "O que fostes ver no deserto?"
19. "Uma cana agitada pelo vento?" A cana é chamada em latim arundo, que soa quase como árida, ou também como aura ducta, conduzida pelo ar. Observa que a cana tem as raízes no barro, símbolo da gula e da luxúria; é bela por fora, mas vazia por dentro, e nisso são indicadas a hipocrisia e a vanglória; é agitada para cá e para lá pelo vento, e isso representa a inconstância da vontade.
Desventurado o claustro, maldito o deserto da ordem religiosa na qual é posta a morada e cresce tal planta: "o machado será posto à sua raiz, para ser cortada e lançada ao fogo" (cf. Mt 3,10; Lc 3,9). Diz o Senhor por boca de Isaías: "Porei no deserto juntamente o abeto, o olmeiro e o buxo" (Is 41,19), mas não a cana agitada pelo vento. No abeto é representada a familiaridade com as coisas celestes; no olmeiro, que sustenta a videira, a participação nos sofrimentos do próximo; no buxo, que é de cor pálida, a mortificação do corpo. Como essas árvores, deve ser cultivado e ornado o deserto bendito, o paraíso (o jardim) da ordem religiosa, e não com a cana agitada pelo vento, destinada a ser queimada no fogo.
"Mas o que fostes ver? Um homem vestido de roupas delicadas?" O mesmo evangelista Mateus relata-nos que "João trazia uma veste de peles de camelo e uma cinta de pele em volta dos rins; seu alimento eram gafanhotos e mel silvestre" (Mt 3,4). Olhai bem, peço-vos, se os religiosos do nosso tempo usam essas vestes e se se nutrem desses alimentos. "Eis que aqueles que usam vestes delicadas estão nas casas dos reis." Não digo religio, mas legio doemonum (não religião, mas legião de demônios) é aquela que fez do deserto um palácio, do claustro um castelo, da solidão uma corte real. Tanto o religioso como o homem de armas fazem a veste do mesmo pano.
O amante do deserto, porém, o maior dos profetas, teve a sua veste de peles de camelo. Se o Bem-aventurado João, prenunciado pelo anjo, santificado no seio materno, louvado pelo Senhor - "Entre os nascidos de mulher não surgiu ninguém maior do que João" (Lc 7,28) - viveu em tanta austeridade, o que não devemos fazer nós, concebidos no pecado, carregados de pecados, dignos de ser rejeitados pelo Senhor, se não intervier a sua misericórdia: com quantos castigos, com quanta severidade devemos punir-nos!
Portanto, no deserto da penitência haja a pobreza do vestido, a austeridade do alimento, para que verdadeiramente possamos ser chamados religiosos, "religados", isto é, distantes de todo o prazer da carne.
Todo o religioso seja pleno desses três dons, isto é, da esperança, da alegria e da paz; da esperança, no que se refere à pobreza, que só espera em Deus; da alegria, por aquilo que concerne à castidade, sem a qual não há alegria da consciência; da paz, em relação à obediência, fora da qual não existe paz para ninguém: "Não há paz para os ímpios, diz o Senhor" (Is 57,21); se o religioso estiver pleno destes dons, esteja certo de que abundará também na esperança e na graça do Espírito Santo, para viver confiante no deserto da ordem religiosa.
Irmãos caríssimos, imploremos ao Senhor nosso Jesus Cristo que nos preserve de ser cana agitada pelo vento, ou homens vestidos de roupas delicadas; ao contrário, faça-nos habitar no deserto da penitência, pobres, castos e obedientes. No-lo conceda aquele que é digno de louvor, suave e amável, Deus bendito e santo nos séculos eternos. E toda a religião, pura e sem mancha, diga: Amém. Aleluia!
Fonte: Sermões | Santo Antônio; tradução de Frei Ary E. Pintarelli, OFM: Vozes, 2019
Fotógrafo: PASCOM - Paróquia Nossa Senhora das Dores Fortaleza, CE