SERMÃO DE SANTO ANTÔNIO: Páscoa do Senhor

Em um de seus sermões pascais, Santo Antônio prega sobre a Ressurreição a partir do relato de São Mateus que falam desde a atitude das mulheres piedosas na compra dos aromas e a ida junto ao Sepulcro, até as diversas aparições de Jesus Ressuscitado.

Sermões

09.04.2023 07:00:00 | 41 minutos de leitura

SERMÃO DE SANTO ANTÔNIO: Páscoa do Senhor

EXÓRDIO - SERMÃO AO PREGADOR

1. Naquele tempo, "Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e Salomé compraram os aromas para irem embalsamar Jesus" etc. (Mc 16,1).

Diz o Eclesiástico: "O farmacêutico faz pigmentos agradáveis e prepara unguentos saudáveis" (Eclo 38,7). São chamados pigmentos - poder-se-ia chamá-los polimentos - porque são trabalhados no pilão (almofariz) com o pilum (socador). Os pigmentos são as espécies das quais a alma penitente diz: "Como mirra escolhida exalei suave perfume: como estoraque, gálbano, Ônix e gota [essência viscosa_" (Eclo 24,20-21). Estas essências, como diz a Glosa, para os médicos são pigmentos preciosos, e representam as várias virtudes que os verdadeiros médicos, isto é, os médicos do espírito, usam para curar os homens. Na mirra é indicada a penitência; mas não existe verdadeira penitência se a ela não são misturadas estas quatro essências: o estoraque, o galbano, o ônix e a gota.

O estoraque é uma essência de perfume agradabilíssimo; sai de uma planta que o emana como um liquido meloso; o gálbano é uma especiaria (resina) que, com seu odor, afugenta as serpentes; o ónix, nomeado também no Êxodo (cf. 35,27), é uma pedra preciosa chamada assim com a palavra grega onyx, em latim ungula, unha, porque assemelha-se à unha do homem; a gota é uma essência que cura qualquer endurecimento e atenua os inchaços.

Eis, pois, que no estoraque é indicada a compunção das lágrimas, que mandam perfume para a presença de Deus, e à alma penitente são mais doces do que o mel e do que o favo de mel (cf. SI 18,11); no gálbano é indicada a confissão que põe em fuga as serpentes, isto é, os demônios; na gota é indicada a humildade em realizar a obra de penitência, que cura a dureza da mente e reprime a impudência do corpo.

Mas já que não é chamado bem-aventurado quem começa, mas quem persevera até o fim (cf. Mt 10,22; 24,13), a estas três essências deve-se acrescentar o ônix, a unha, que é a parte extrema do corpo e, portanto, representa a perseverança final. O farmacêutico, pois, isto é, o pregador, deve amassar estas especiarias no pilão, isto é, no coração do pecador, deve agir com o sacador da pregação e misturar o bálsamo bruto da misericórdia divina, para que tenha um gosto mais agradável à alma do penitente.

"E prepara unguentos saudáveis. A unção (o unguento), que instruir o homem sobre todas as coisas que lhe são necessárias, é composta de dois elementos: o vinho e o óleo; o vinho que flui da verdadeira videira, prensada no lagar da cruz; o óleo com o qual foi ungida a Igreja primitiva no dia de Pentecostes: isto é, o sangue de Cristo e a graça do Espírito Santo. O farmacêutico deve fazer os unguentos com estas duas substâncias para poder ungir, junto com as três mulheres, os membros de Cristo, isto é, os fiéis da Igreja. Com efeito, lemos no evangelho de hoje: "Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e Salomé compraram os aromas para ungir o corpo de Jesus".

2. Observa que neste evangelho são postos em evidência quatro fatos. Primeiro, a devoção das piedosas mulheres e a compra dos aromas, quando se diz: Maria Madalena etc. compraram os aromas; segundo, a remoção da pedra, quando acrescenta: E diziam entre si: Quem nos rolará a pedra?; terceiro, a visão dos anjos, onde diz: Entradas no sepulcro, viram etc.; quarto, a ressurreição de Cristo: "Ele lhes disse: Não vos espanteis!..

I- A DEVOÇÃO DAS PIEDOSAS MULHERES E A COMPRA DOS AROMAS

3. "Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e Salomé compraram os aromas." Nestas três mulheres são indicadas três virtudes de nossa alma, isto é, a humildade da mente, o desprezo do mundo, a jucundidade da paz.

Na Madalena, assim chamada pela aldeia de Magdala, que se interpreta "torre"

É indicada a humildade da mente; em Maria, mãe de Tiago, que se interpreta "suplantadora", mãe de Tiago Menor (cf. Mc 15,40), é indicado o desprezo do mundo; em Salomé, que quer dizer "pacífica", mãe de Tiago e de João o Evangelista, é representada a jucundidade da paz. Estas três mulheres são chamadas com um só nome: Maria, que se interpreta "iluminação", porque as três virtudes que representam iluminam a mente na qual moram. Digamos algo de cada uma delas.

Maria Madalena é a humildade da mente, que, enquanto considera a si mesma um nada, lança-se para o alto como uma torre. Por isso, diz Tiago: "O irmão humilde glorie-se de sua exaltação" (Tg 1,9), porque de onde vier a humilhação, dali vem também a exaltação. Desta torre diz-se no Gênesis que Jacó "levantou a sua tenda além da torre do rebanho" (Gn 35,21). Na torre é indicada a humildade, no rebanho a verdadeira simplicidade. Jacó, isto é, o justo, fixa a tenda de sua vida, tenda na qual milita - já que a vida do justo sobre a terra é uma guerra (cf. Jó 7,1) -, além da torre do rebanho, porque se mantém constantemente na humildade, que é a mãe da verdadeira simplicidade. E observa o que se diz "além da torre" e não na torre, porque, enquanto vive cá embaixo, o justo tem de si mesmo um conceito muito mais modesto do que é na realidade.

Da Madalena diz João: "Maria conservava-se na parte de fora do sepulcro, chorando. Enquanto chorava, inclinou-se e olhou para dentro do sepulcro, e viu dois anjos vestidos de branco sentados no lugar onde fora posto o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés" (Jo 20,11-12).

Presta atenção a cada palavra. O sepulcro, em latim chamado monumentum, monumento, porque admoesta a mente a recordar-se do falecido, está a significar o pensamento de nossa morte, o pensamento de nossa sepultura: e estes pensamentos nos exortam a doer-nos na nossa mente e a persistir nas obras de penitência.

"Maria conservava-se na parte de fora do sepulcro", porque o humilde é assíduo no pensamento de sua morte, para que, quando ela vier, o encontre vigilante (cf. Lc 12,37). E como se conservava no sepulcro? Fora, chorando. Fora, não dentro. Fora não mais existe senão "pranto e grande lamento". Raquel - nome que significa "ovelha" - isto é, a alma simples do penitente, "chora seus filhos" , isto é, suas obras que, por causa do pecado, estavam mortas, "e não quer ser consolada porque já não existem" (Mt 2,18), assim vive como o eram antes de serem mortas pelo pecado. Ai de mim!, quão fácil é a descida, e quão difícil, porém, é a subida! Em pouco tempo destrói-se aquilo que se construiu em longo tempo (Catão).

"Enquanto continuava a chorar, inclinou-se e olhou para dentro do sepulcro." Eis a verdadeira humildade do penitente. Presta atenção a estas três palavras: chorava, inclinou-se, olhou. Chorava, eis a contrição; inclinou-se, eis a confissão; olhou, cis a satisfação (a obra penitencial), para a qual se empenha seriamente, quando volve o olhar para o momento, isto é, quando pensa na sua morte.

"E viu dois anjos." Estes dois anjos - anjo significa "mensageiro" - representam em sentido moral o nosso miserável ingresso na vida e a nossa amarga partida. Nós, que somos o corpo de Cristo, procuramos ter estes dois anjos, um à cabeceira e um aos pés de nossa vida, enquanto meditamos sobre a nossa miserável entrada e saída dela. Justamente são chamados anjos, porque nos anunciam a caducidade do nosso corpo e a inutilidade deste mundo.

Estes são os dois anjos que, como se diz no Gênesis, "fizeram Lot sair de Sodoma e lhe disseram: Salva a tua vida; não te voltes para trás e não te detenhas em nenhum lugar ao redor. Salva-te sobre o monte para não perecer com todos os outros" (Gn 19,17). Quem meditar atentamente sobre sua entrada e sobre sua saída desta vida, sairia logo de Sodoma, isto é, do fedor do mundo e do pecado e salvaria sua alma; não se voltaria para trás, isto é, não retornaria aos pecados passados; e não pararia em lugar algum ao redor: detém-se ao redor aquele que depois de ter abandonado o pecado não cuida de fugir também das ocasiões e das fantasias do pecado; mas salvar-se-ia sobre o monte, isto é, numa vida perfeita. Eis, pois, que justamente na Madalena é indicada a humildade.

4. Felizmente, a Madalena é acompanhada por Maria, mãe de Tiago, cujo nome se interpreta "suplantadora". Ela representa o desprezo do mundo, pelo qual alguém pisa sob os pés, como barro, todas as coisas transitórias e lança fora o fermento da [má] conduta precedente. De fato, na epístola de hoje, o Apóstolo diz: "Purificai-vos do velho fermento, para que sejais uma nova massa, assim como sois ázimos [puros]. Porquanto Cristo, nossa Páscoa, foi imolado" (1Cor 5,7).

Fermento, em latim fermentum, deriva de fervor, ou fervura. Depois da primeira hora não é mais possível freá-lo, porque crescendo transborda e ultrapassa qualquer medida; em grego se chama zyma (do qual vem ázimo, sem fermento e, portanto, puro). Na "sequência" composta por Adão de São Vítor, diz-se: "Seja expurgado o velho fermento, a fim de que seja anunciada com coração sincero a nova ressurreição". O fermento, ou levedura, representa a cobiça das coisas terrenas e a concupiscência dos desejos carnais que, quando começam a ferver, excedem toda a medida; de fato, o avarento jamais se sacia de dinheiro, nem o luxurioso nunca é pago com o prazer dos sentidos.

De fato, diz Isaías: "Os ímpios, isto é, os avarentos e os luxuriosos, são como um mar agitado, que não pode se acalmar, e cujas ondas se elevam para produzir lodo e barro. Não há paz para os ímpios, diz o Senhor Deus" (Is 57,20-21). As ondas do mar fervente e tempestuoso representam os desejos do homem perverso, que aviltam sua alma e miseramente a reduzem a lodo e barro, no qual os porcos, isto é, os demônios, prazerosamente se instalam. Lançai fora, pois, o velho fermento! Por isso, no Êxodo, o Senhor ordena: "Durante sete dias não se achará fermento em vossas casas, e todo aquele que comer algo fermentado fará perecer sua alma da terra de Israel" (Ex 12,19). Durante sete dias, isto é, por todo o tempo de nossa vida, que se passa como que no espaço de sete dias, não se encontre em vossas casas, isto é, nos vossos corações, nada de fermentado, isto é, ardente de mundana e carnal concupiscência. Diversamente, a alma daquele que o tiver comido perecerá da terra de Israel, isto é, da vida eterna, na qual veremos Deus face a face (cf. 1Cor 13,12). "Lançai fora, pois, O velho fermento, para serdes massa nova, porque sois puros." 

Lemos no Êxodo: "O povo tomou, pois, a farinha amassada, antes que se levedasse; c, envolvendo-a nas capas, o povo a pôs aos ombros" (Ex 12,34). E pouco depois: "Cozeram a farinha que tinham levado do Egito já amassada; fizeram dela pães ázimos, cozidos sob a cinza" (Ex 12,39). Nessa citação há três coisas a serem notadas: a contrição, a confissão e a satisfação. A farinha, chamada assim de farro (trigo), que é o alimento dos enfermos, representa a penitência, que é o alimento dos pecadores: devemos amassá-la com a água da contrição e envolvê-la nas capas, isto é, na nossa consciência, com o vínculo da confissão e levá-la sobre os nossos ombros com as obras penitenciais da satisfação. Essa farinha, para que não fermente, devemos cozinhá-la com o fogo, isto é, com o amor do Espírito Santo e fazer dela como que pães cozidos sob a cinza, viático de nossa condição mortal, pães ázimos da sinceridade e da verdade (cf. 1Cor 5,8), vivendo na sinceridade em relação a nós, e na verdade em relação a Deus e ao próximo.

5. "Cristo nossa Páscoa foi imolado." Segundo Agostinho, páscoa não deriva seu nome de "paixão", mas de "passagem", porque naquele dia passou através do Egito o anjo exterminador, figura do Senhor que veio libertar o seu povo. Com o mesmo nome (páscoa) indicavam o Cordeiro, que neste dia teria passado deste mundo para o Pai. E observa que páscoa é chamado o cordeiro e também a hora da tarde na qual o cordeiro foi morto, isto é, a décima quarta lua do mês; e se diz também "dias dos ázimos", que iam da décima quinta lua ao vigésimo primeiro dia do mesmo mês. Mas os evangelistas trocam indiferentemente dias dos ázimos por páscoa, e páscoa por dias dos ázimos. De fato, Lucas escreve: "Aproximava-se a festa dos ázimos, chamada Páscoa" (Le 22,1). "Cristo, nossa Páscoa, pois, foi imolado." Por isso, nesta solenidade pascal, comemos este Cordeiro "queimado" por nós sobre a cruz, imolado ao Pai para a reconciliação do gênero humano; comemo-lo com as ervas selvagens, como foi ordenado aos filhos de Israel, quer dizer, com a dor e a contrição do coração.

Disse o Senhor: "Cingireis os vossos rins, tereis as sandálias nos pés, os bastões na mão, e comereis com pressa; porque é a Páscoa, isto é, a passagem do Senhor" (Ex 12,11). Presta atenção a estas três palavras: os rins, as sandálias, o bastão.

Os rins, em latim renes; os rins são assim chamados porque deles nascem como que riachos (latim: vivi) de líquido repugnante. De fato, as veias e as vísceras segregam nos rins um humor leve que, libertado depois pelos próprios rins, desce excitando os sentidos. A secreção dos rins é quente, e os rins são circundados de muita gordura: com justiça, pois, diz o Senhor: Cingireis os vossos rins (os rins, os flancos), isto é, reprimireis com a mortificação da carne o ardor da luxúria.

As sandálias representam os exemplos dos santos, com os quais devemos proteger os pés, isto é, os afetos da mente, para estarmos em condições de caminhar com toda a segurança sobre as serpentes, isto é, as sugestões do diabo, e sobre os escorpiões, quer dizer, sobre as falsas promessas do mundo.

O bastão nas mãos representa as palavras da pregação traduzidas na prática das obras. Portanto, quem quiser receber dignamente o corpo do Senhor, cinja os flancos com o cinto da castidade, fortifique os afetos da mente com os exemplos dos santos e traduza as palavras em obras: assim, com os verdadeiros israelitas, celebre a verdadeira páscoa, para passar deste mundo para o Pai (cf. Jo 13,1). Dessa passagem disse o Filósofo: O mundo é como uma ponte: passa-se por cima sem parar. E um outro: o mundo é uma ponte insegura, o seu ingresso é o seio da mãe e sua saída será a morte. Ótima coisa é, pois, edificar a torre da humildade com Maria Madalena, e suplantar, isto é, desprezar o mundo, junto com Maria, mãe de Tiago.

6. A estas duas Marias acrescenta-se a terceira, isto é, Salomé, que é "a abundância da paz". Dela diz Salomão: "De três coisas se compraz o meu espírito, pois têm a aprovação de Deus e dos homens: a concórdia entre os irmãos, o amor dos próximos e o marido e a mulher que se dão bem entre si" (Eclo 25,1-2). Dessa tríplice paz nasce o júbilo de Deus e de seus anjos, e a alegria para os homens. "O quão bom [diz o profeta] e quão suave é viverem os irmãos em união" (SI 132,1).

Portanto, "Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e Salomé compraram os aromas para irem embalsamar o corpo de Jesus". Escreve Lucas: "As mulheres que tinham ido da Galileia com Jesus observaram atentamente o sepulcro e de que modo o corpo de Jesus fora nele depositado. Voltando, prepararam os aromas e os bálsamos.

No sábado, observaram o repouso, segundo a lei" (Lc 23,55-56).

Comentando Mateus (Mt 28,1), a Glosa diz: Era ordenado que o silêncio do sábado fosse observado de véspera a véspera; portanto, sepultado o Senhor, enquanto ainda era permitido o trabalho - isto é, no dia da parasceve [sexta-feira] até o pôr do sol - as piedosas mulheres ocuparam-se na preparação dos vários unguentos. E já que, pelo pouco tempo à disposição, não conseguiram completar os preparativos, passado o sábado, isto é, ao pôr-do-sol, quando de novo era permitido o trabalho, logo apressaram-se a comprar os aromas para, na manhã seguinte, estarem prontas a ir embalsamar o corpo de Jesus. Essas piedosas mulheres apressavam-se: empenhavam-se em preparar os unguentos como se esforçam as abelhas em produzir o mel e a cera.

Diz a História natural que as várias atividades das abelhas são bem distintas entre elas, já que algumas produzem a cera e outras o mel; algumas trazem água, outras recolhem o mel e outras ainda o prensam; algumas saem para o trabalho ao raiar do dia e outras repousam até que uma as acorda. Então, todas juntas voam para fora a trabalhar. Nesta abelha que desperta as outras que estão dormindo, eu vejo representada a Bem-aventurada Madalena, que, por arder em grande amor, solicitava vivamente que as outras preparassem os unguentos. A Virgem Maria, porém, depois que seu filho Jesus foi deposto no sepulcro, nunca se afastou, como afirmam alguns, mas permaneceu sempre ali a vigiar em lágrimas, até que por primeiro o viu ressurgir: por isso os fiéis festejam o dia de sábado em sua honra.

7. A seu exemplo, as almas fiéis, iluminadas pelo esplendor da humildade, da Pobreza e da paz, comprem, com o dinheiro da boa vontade, marcado com a imagem do imperador (cf. Mt 22,19-21), os aromas dos quais diz Moisés: "Toma aromas: mirra escolhida e virgem, cinamomo, cana odorifera, cássia e azeite de oliveira; farás com isso um óleo santo para as unções, e um bálsamo composto segundo a arte de um perfumador. Ungirás com ele o tabernáculo do testemunho, a arca do testamento, a mesa com os seus vasos, o candelabro e os seus acessórios, o altar dos perfumes e o altar dos holocaustos" (Ex 30,23-28). Na mirra virgem e escolhida é indicada a devoção da mente, para a qual devemos tender mais do que para tudo o mais; no cinamomo, que é de cor cinza, é indicado o pensamento da morte; na cana odorífera, a melodia da confissão; na cássia, que tem seu habitat em lugares úmidos e cresce muito alta, é indicada a fé, que se nutre nas águas do batismo e se lança para o alto por meio do amor; no óleo de oliveira é indicada a misericórdia do coração. Com estes cinco elementos devemos preparar o unguento sagrado que nos santifica, confeccionado com a arte do perfumador, isto é, do Espírito Santo.

Com este unguento devem ser ungidas estas cinco coisas: a tenda do testemunho, isto é, os pobres de Cristo, os quais, marcados com o caráter de sua pobreza, enquanto estiverem neste mundo, estão como que no exílio, distantes do Senhor; a arca da aliança, isto é, aqueles que carregam a arca da obediência sobre o carro novo, quer dizer, num coração e num corpo renovados pela penitência; a mesa com os seus vasos, isto é, aqueles que apresentam a todos os doze pães, que é a doutrina dos doze apóstolos, com um pouco de incenso, que é a humildade e a devoção da mente, e a patena de ouro, quer dizer, a luz do amor fraterno; o candelabro e seus acessórios, isto é, todos os santos prelados da Igreja, que não escondem o candelabro de sua dignidade sob o alqueire, isto é, sob o lucro material, mas o põem sobre o monte de uma vida verdadeiramente santa, para que ilumine e mostre o caminho a todos aqueles que estão em casa (cf. Mt 5,15), isto é, na Igreja; e isso valha não só para o candelabro, mas também para seus acessórios, quer dizer, para todos aqueles que têm dignidades menores; e finalmente os dois altares do holocausto e do incenso. No altar do holocausto são indicados os ativos, aqueles que se dedicam totalmente às necessidades do próximo; enquanto no altar do incenso são indicados os contemplativos, que experimentam a suavidade das doçuras celestes.

Portanto, com este unguento, confeccionado por obra do Espírito Santo, devem ser ungidos todos aqueles que temos nomeado, que são os membros de Jesus Cristo, crucificados sobre a cruz da penitência, mortos para o mundo, distantes da agitação dos homens, porque fechados no sepulcro da frequentação das coisas celestes.

8. "Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e Salomé compraram os aromas para irem embalsamar o corpo de Jesus. E de manhã cedo, no primeiro dia após o sábado, chegaram ao sepulcro quando o sol já havia nascido" (Mc 16,1-2). Mateus escreve assim: "Passado o sábado, ao amanhecer do primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram visitar o sepulcro" (Mt 28,1). E Lucas: "No primeiro dia da semana, foram muito cedo ao sepulcro, levando os aromas que tinham preparado" (Lc 24,1). E João: "No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã, quando ainda era escuro" (Jo 20,1). Portanto, Marcos diz: "de manhã cedo", e disso não se afasta de Lucas e de João.

Mateus, porém, falando da primeira parte da noite, isto é, da tarde, quer indicar a noite, no fim da qual [quer dizer, de manhã] dirigiram-se ao sepulcro. Deves, pois, entender suas palavras deste modo: Foram ao sepulcro à tarde, isto é, na noite que começa quando termina a luz, pois o crepúsculo não é a primeira, mas a última parte da noite. Portanto, na tarde do sábado, isto é, no início da noite depois do sábado; certamente começaram a encaminhar-se à tarde, para preparar os aromas, mas chegaram nos primeiros albores do dia: aquilo que Mateus, por causa da brevidade, diz de modo pouco claro, os outros, porém, dizem-no explicitamente.

E eis o sentido moral. "De manha cedo, no primeiro dia depois do sábado." De amanhã, isto é, nos inícios da graça, sem a qual na alma existe a noite. Diz o profeta: "De manha estarei na tua presença" (SI 5,5), direito e ereto, como direito e ereto tu me fizeste. No primeiro dia depois do sábado, as almas santas vão ao sepulcro, porque se o ânimo não desiste de preocupar-se com as coisas temporais, não se aproxima de Deus. Diz o Senhor por boca de Jeremias: "Cuidai das vossas almas, e não queirais transportar cargas no dia de sábado, nem as introduzais pelas portas de Jerusalém" (Jr 17,21). Sábado interpreta-se "repouso"; Jerusalém é a alma e as portas são os cinco sentidos do corpo. Portanto, carregam cargas no dia de sábado e as introduzem pelas portas de Jerusalém aqueles que, implicados nos afazeres das coisas temporais, através das portas dos cinco sentido introduzem na alma a carga dos pecados, a bagagem das preocupações deste mundo e, portanto, não protegem a alma do pecado.

As almas fiéis, porém, evitado qualquer zumbido das moscas do Egito (cf. Is 7,18), "no primeiro dia depois do sábado dirigem-se ao sepulcro"

II - A REMOÇÃO DA PEDRA À PORTA DO SEPULCRO

9. "E diziam entre si: Quem nos há de revolver a pedra da porta do sepulcro? Mas, olhando, viram revolvida a pedra, que era muito grande!" (Mc 16,3-4).

Sentido alegórico. A remoção da pedra recorda-nos a revelação dos sagrados mistérios de Cristo, que estavam cobertos pelo véu da letra da lei. De fato, a lei estava escrita na pedra e, removida a sua cobertura, foi manifestada a glória da ressurreição, e começou a ser proclamada em todo o mundo a abolição da morte antiga e a vida sem fim, na qual nos fora concedido esperar.

Sentido moral. A pedra é removida quando, por meio da graça, é tirado o peso do pecado. Quando isso acontecer, e como deva comportar-se o homem para que isso se realize nele, é dito no Gênesis: Era costume que, quando todas as ovelhas estavam reunidas, seria removida a pedra da boca do poço (cf. Gn 29,3). Portanto, se queres que seja removida a pedra do pecado, que te impede de reerguer-te, reúne ao redor de Cristo as ovelhas, quer dizer, os bons pensamentos. E continua o Gênesis: «E eis que Raquel chegava com as ovelhas de seu pai, porque ela pastoreava o rebanho" (Cin 29,9). Raquel, que se interpreta "ovelha", pastoreia as ovelhas, porque o homem simples nutre pensamentos honestos.

Assim também, em sentido moral, vai ao sepulcro aquele que se propõe fazer penitência em algum mosteiro ou numa ordem religiosa. Mas considerando a grandeza e o peso da pedra, quer dizer, as dificuldades da vida religiosa, diz consigo: Quem me removerá a pedra da porta do sepulcro? Grande e pesada é a pedra, difícil é o ingresso, difíceis as longas vigílias, os frequentes jejuns, a escassez. do alimento, a rudeza da veste, a severa disciplina, a pobreza voluntária, a obediência pronta: e quem me removerá esta pedra da porta do sepulcro?

Ó mentes efeminadas, aproximai-vos e olhai, não sejais desconfiados, e vereis que a pedra já está removida. "Um anjo - diz Mateus - desceu do céu e removeu a pedra e sentou-se sobre ela" (Mt 28,2). O anjo é a graça do Espírito Santo que remove a pedra da porta do sepulcro, sustenta a nossa fragilidade, mitiga toda aspereza e adoça com o bálsamo de seu amor qualquer amargura. O cavalo, diz o profeta - isto é, a boa vontade -, é preparado para a batalha, mas é o Senhor quem dá a salvação (cf. Pr 21,31). "Nada é difícil para quem ama" (Bernardo).

III - A VISÃO DO ANJO

10. "Entrando no sepulcro, viram um jovem sentado do lado direito, vestido de uma túnica branca, e ficaram muito assustadas" (Mc 16,5).

Sentido moral. O sepulcro representa a vida contemplativa na qual o homem, morto para o mundo, sepulta-se no escondimento. Diz Jó: "Entrarás com abundância no sepulcro, como se recolhe um monte de trigo a seu tempo" (Jó 5,26). Soprada a palha das coisas temporais, saindo do mundo, na abundância da graça divina, o justo entra no sepulcro da vida contemplativa, na qual é posto de lado como um monte de trigo, já que sua alma se recolhe com celeste doçura na contemplação. Ele, entrando no sepulcro, vê um jovem sentado do lado direito, coberto com uma veste cândida.

O «ovem" assim chamado porque pronto a "servir" (ajudar), é o Filho de Deus, que como um jovem nos ajuda e está sempre pronto a ajudar. Corretamente se diz: "Estava sentado do lado direito". Diz-se direita, como para dizer "dando fora" (latim: destera, dans estra). Ele nos ajudou de modo maravilhoso quando deu a nós a divindade e assumiu a nossa humanidade, para que nós, que estávamos fora, estivéssemos dentro; para que nós entrássemos, ele saiu e se cobriu da veste cândida, isto é, da carne humana, mas sem mancha alguma. Diz o Bem-aventurado Bernardo: "Depois de todos os benefícios, quis ser traspassado do lado direito, para mostrar-nos que somente do lado direito quis preparar-nos um lugar à direita"

O justo, que sai do mundo e entra no sepulcro, deve ver, deve contemplar este "jovem" na maneira indicada pelo Bem-aventurado Bernardo: "Como o animal que é preparado para o trabalho, assim o jovem aprendiz de Cristo deve ser instruído sobre a maneira de aproximar-se de Deus, para que Deus se aproxime dele. Deve ser exortado a dirigir-se, com a máxima pureza de coração possível, àquele ao qual apresenta a oferta de sua oração. Quanto mais vê e compreende aquele ao qual faz sua oferta, tanto mais arderá de amor por ele, e a própria compreensão transformar-se-á em amor; e quanto mais for dele enamorado, tanto mais compreenderá se aquilo que lhe oferece é verdadeiramente digno de Deus e se nele terá algum proveito.

Todavia, àquele que reza ou medita deste modo, será melhor e mais seguro propor a imagem da humanidade do Senhor, de sua natividade, de sua paixão e ressurreição, para que o espírito fraco, que não sabe pensar senão na matéria e nas coisas materiais, encontre algo sobre o qual fixar-se com olhar de piedade e ao qual apegar-se, segundo suas disposições.

Aquilo que se lê em Jó, que o homem, se se detém a considerar sua natureza, não pecará (cf. Jó 5,24), é dito certamente em referência ao mediador Cristo, e significa: quando o homem dirige a ele o olhar de sua inteligência, considerando em Deus a natureza humana, jamais se afasta da verdade, e enquanto por meio da fé não separa Deus do homem, aprende no fim a reconhecer no homem seu Deus.

Com tudo isso, no ânimo dos pobres de espírito e dos filhos de Deus mais simples, o sentimento é, em geral, tanto mais suave, quanto mais se aproxima da natureza humana. Num segundo momento, porém, quando a fé se transforma em afeto, acolhendo no centro do seu coração, com o doce abraço do amor, Cristo Jesus, homem perfeito assumido pelo homem, e verdadeiro Deus enquanto Deus que assume, começam a conhecê-lo já não segundo a carne, embora não possam ainda pensá-lo plenamente Deus segundo Deus e bendizendo-o em seu coração, amam oferecer-lhe seus votos" (GUIGO [O CERTOSINO]. Epístolas) e seus aromas, junto com as santas mulheres, das quais exatamente se diz: "Entrando no sepulcro, viram um jovem sentado ao lado direito" etc.

IV- A RESSURREIÇÃO DE JESUS CRISTO

11. "O jovem disse-lhes: Não temais! Buscais a Jesus Nazareno, o crucificado: ressuscitou, não está aqui; eis o lugar onde o depositaram. Mas ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele vos precederá na Galileia, lá o vereis, como ele vos disse" (Mc 16,6-7). "Desapareceu a amarga raiz da cruz, desabrochou a flor da vida com seus frutos."

"Quem jazia na morte ressurgiu na glória.» «De manhã ressurgiu, quem à tarde fora sepultado», para que se cumprisse a palavra do salmo: "De tarde estaremos em lágrimas, e de manhã em alegria!" (SI 29,6).

Portanto, Jesus foi sepultado no sexto dia da semana, que se chama parasceve; ao pôr-do-sol, antes que começasse o sábado; na noite seguinte, no dia de sábado com a noite seguinte permaneceu depositado no sepulcro; no terceiro dia, isto é, na manhã do primeiro dia depois do sábado, ressuscitou. Permaneceu no sepulcro exatamente um dia e duas noites, porque uniu a luz de sua única morte às trevas de nossa dupla morte.

De fato, nós éramos escravos da morte da alma [vida natural] e do espírito [vida espiritual]. Ele sofreu por nós uma única morte, a da carne, e assim nos libertou da nossa dupla morte. Uniu sua única morte à nossa dupla morte, e morrendo destruiu a ambas.

Lemos no evangelho que o Senhor, depois da ressurreição, apareceu a seus discípulos bem dez vezes, das quais as primeiras cinco no próprio dia da ressurreição.

A primeira vez apareceu a Maria Madalena, a segunda, às mulheres que voltavam do sepulcro, a terceira, a Pedro, segundo o que afirma Lucas: "Na verdade o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão" (Lc 24,34); a quarta vez apareceu aos dois discípulos que se dirigiam a Emaús; a quinta, aos dez apóstolos no cenáculo estando fechadas as portas, na ausência de Tomé. A sexta vez reapareceu aos discípulos, oito dias depois, presente também Tomé; a sétima vez apareceu a sete discípulos que estavam pescando; a oitava foi sobre o Monte Tabor, onde o Senhor havia estabelecido que todos se reunissem para esperá-lo: e assim, antes de sua ascensão aparece oito vezes; e no dia da ascensão apareceu outras duas vezes, isto é, enquanto os Onze estavam comendo no cenáculo, por isso Lucas diz: "Estando à mesa com eles, ordenou-lhes que não se afastassem de Jerusalém" (At 1,4). Depois mostrou-se novamente após a refeição: os onze apóstolos e outros discípulos, a Virgem Maria, com outras mulheres, dirigiram-se ao Monte das Oliveiras, onde apareceu-lhes o Senhor e "enquanto eles estavam olhando, ele se elevou para o alto e uma nuvem o ocultou aos seus olhos" (At 1,9). Vejamos qual seja o significado moral destas dez aparições.

12. 1. Apareceu a Maria Madalena. De fato, à alma penitente aparece a graça de Deus, antes que aos outros. Diz-se no Êxodo: "Apareceu no deserto o maná, uma coisa miúda e como que pisada num pilão, semelhante à geada que se forma sobre a terra" (Ex 16,14). No deserto, isto é, naquele que faz penitência, aparece o maná da graça divina, quebrada na contrição, pisada no pilão da confissão, semelhante à geada na obra penitencial da satisfação.

2. Apareceu às mulheres que voltavam da visita ao sepulcro. De fato, o Senhor aparece àqueles que retornam do sepulcro, isto é, saem de sua miseranda morte espiritual e consideram o lacrimoso ingresso de seu nascimento. Lemos no Gênesis: "E o Senhor apareceu a Abraão no Vale de Mambré, quando ele estava sentado à porta de sua tenda, no maior calor do dia" (Gn 18,1). Abraão é o justo, o vale é a dupla humildade; Mambré interpreta-se "esplendor"; a tenda representa o corpo, o ingresso da tenda, o ingresso e a saída da vida; a hora mais quente do dia representa o arrependimento da alma. O Senhor aparece, pois, ao justo que se mantém na dupla humildade do coração e do corpo, a qual conduz ao esplendor da glória celeste; ao justo que está sentado no ingresso de sua tenda, isto é, que medita sobre o nascimento de seu corpo e sobre sua morte: e deve meditar tudo isso no fervor do arrependimento.

3. Apareceu a Pedro. Jeremias escreve: "O Senhor me apareceu [e me disse]: Eu te amei com amor eterno; por isso, compadeci-me de ti e te atraí a mim; de novo te edificarei" (Jr 31,3-4). Diz Pedro: O Senhor ressuscitado da morte apareceu a mim, a mim penitente, a mim amargamente choroso! E responde o Senhor: "Amei-te com amor eterno". De fato, "voltando-se, o Senhor olhou para Pedro" (Lc 22,61). Olhou-o porque o amava; portanto, com a corda do amor "atraí-te a mim com misericórdia". Diz Agostinho: Não quis vingar-se dos pecadores aquele que deseja conceder o perdão a quem se arrepende. "E de novo te edificarei", reconduzir-te-ei à dignidade do apostolado: "Ide e dizei aos seus discípulos e a Pedro". Comenta Gregório: "Pedro é chamado pelo nome, para que não se desespere por sua tríplice negação. De fato, se o anjo não o tivesse indicado pelo nome, ele, que chegara a negar o Mestre, não teria mais ousado retornar para o meio dos discípulos"

4. Apareceu aos dois discípulos que se dirigiam a Emaús. Emaús interpreta-se "desejo de conselho", do conselho dado pelo Senhor que disse: "Se queres ser per-feito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres" (Mt 19,21). Os dois discípulos representam os dois mandamentos da caridade: o amor a Deus e ao próximo. Àquele que tem a caridade e que deseja ser pobre como Cristo, o Senhor aparece. Lê-se no Gênesis que Isaac subiu a Bersabeia, onde lhe apareceu o Senhor (cf. Gn 26,23-24). Bersabeia interpreta-se "poço que sacia" e nele são representadas a caridade e a pobreza que saciam a alma: quem tem estas duas virtudes "não terá sede para sempre" (Jo 4,13).

5. Apareceu aos dez discípulos reunidos juntos [no cenáculo] estando fechadas as portas. Quando os discípulos, isto é, os sentimentos da razão, estão reunidos juntos por um objetivo, e as portas dos cinco sentido estão fechadas à vaidade, então certamente aparece na mente a graça do Espírito Santo. Lê-se em Lucas: A Zacarias "tendo entrado no templo do Senhor apareceu o anjo do Senhor, posto de pé ao lado direito do altar do incenso" (Lc 1,9.11). Quando Zacarias, que se interpreta "memória do Senhor" - quer dizer, homem justo, porque respondeu ao Senhor no tesouro de sua memória -, quando Zacarias entra no templo do Senhor, isto é, na sua consciência, na qual o Senhor mora, então o anjo do Senhor, isto é, a graça do Espírito Santo, aparece-lhe, ilumina-o, posto de pé à direita do altar do incenso. O altar do incenso representa a compunção da mente; a direita é a reta intenção. Portanto a graça do Senhor está à direita do altar do incenso, porque aprova aquela compunção, louva e agrada-lhe aquele incenso que o justo faz subir da reta intenção da mente.

13. 6. Oito dias depois da ressurreição, apareceu aos discípulos, quando com eles estava também Tomé, de cujo coração extirpou qualquer dúvida. De fato, quando estivermos no oitavo dia da ressurreição final, o Senhor eliminará de nós qualquer sinal de dúvida e qualquer mancha de mortalidade e de enfermidade. Diz Isaías: "A luz da lua será como a luz do sol, e a luz do sol será sete vezes mais intensa, como seria a luz de sete dias juntos, no dia em que o Senhor atar a ferida do seu povo e curar o golpe de sua chaga" (Is 30,26). Presta atenção a estas duas palavras: ferida e chaga. A ferida refere-se à alma, a chaga, ao corpo. Na ferida é representado o pensamento impuro da alma, na chaga, a morte do corpo. Mas no dia da ressurreição final, quando o sol e a lua - como diz Isidoro no Livro das criaturas - receberão a recompensa de seu esforço, porque o sol fulgurará e arderá imóvel no Oriente sete vezes mais do que agora, de modo a atormentar aqueles que estão no inferno, e a lua, parada no Ocidente, terá o esplendor que o sol tem hoje, então, verdadeiramente, o Senhor curará a ferida de nossa alma, porque, como diz o profeta, nenhum animal, isto é, nenhum pensamento mau, passará por Jerusalém (cf. Is 35,9). Antes, como diz João no Apocalipse, cidade [quer dizer, a nossa alma] será como ouro puríssimo semelhante ao límpido  cristal" (Ap 21,18). O que há de mais brilhante do que o ouro, de mais luminoso do que o cristal? E eu vos pergunto: na ressurreição final o que existirá de mais brilhante e de mais luminoso do que a alma do homem glorificado? Então o Senhor curará a lividez da nossa chaga - da qual somos atingidos pela desobediência dos nossos progenitores -, e este corpo mortal vestir-se-á de imortalidade e este corpo corruptível será revestido de incorruptibilidade (cf. 1Cor 15,53-54).

Na ressurreição final, o "jardim do Senhor", isto é, nosso corpo glorificado, será irrigado por quatro rios: o Fison, o Geon, o Tigre e o Eufrates; isto é, será dotado de quatro prerrogativas: a luminosidade, a sutilidade, a agilidade e a imortalidade. Fison interpreta-se "mudança de aspecto", Geon, "peito", Tigre," «fecha", Eufrates, "fértil" (cf. Gn 2,10-14). No Fison é indicado o esplendor da ressurreição: de nossa grande feiura e obscuridade seremos transformados como num sol. De fato, diz-se: "Os justos resplendecerão como o sol... » (Mt 13,43). No Geon é indicada a sutileza; de fato, como o peito do homem não se despedaça, não é lesado, não se abre nem tem algum sofrimento quando do coração saem os pensamentos (cf. Mt 15,19), assim o corpo glorificado será dotado de tão grande sutileza que nada será para ele impenetrável; e, todavia, será inviolável, incindível, compacto e sólido, como o foi o corpo glorificado de Cristo, que entrou junto aos apóstolos [no cenáculo] com as portas fechadas (cf. Jo 20,26). No Tigre é indicada a agilidade, que é eficazmente representada pela velocidade da flecha. No Eufrates é indicada a imortalidade, na qual seremos inebriados pela abundância da casa de Deus (cf. SI 35,9): plantados nela como a árvore da vida no centro do paraíso terrestre, daremos frutos. Serão os frutos da eterna saciedade, por causa dos quais nunca mais sentiremos fome.

14. 7. A seguir, apareceu aos sete discípulos que estavam pescando. A pesca representa a pregação e àqueles que a ela se dedicam certamente aparece o Senhor. De fato, está escrito no Livro dos Números que sobre Moisés e Aarão "apareceu a glória do Senhor. E o Senhor falou a Moisés, dizendo: Toma a vara e junta o povo, tu e Aarão, teu irmão e falai ao rochedo na presença deles e ele dará águas. Depois que tiverdes feito sair água do rochedo, beberá toda a multidão e os seus animais" (Nm 20,6-8).

Nesta passagem, Moisés representa o pregador. Aarão interpreta-se "forte monte", no qual são indicadas duas coisas: a santidade da vida e a constância da fortaleza.

Sem este irmão, Moisés nunca deve mover-se. O Senhor lhe disse: Toma a vara da pregação e reúne o povo, tu e Aarão teu irmão, sem o qual o povo nunca é reunido com proveito, porque quando se despreza a conduta de uma pessoa, despreza-se também a sua pregação; e falai ao rochedo, isto é, ao coração endurecido do pecador, e aquele rochedo fará brotar as águas da compunção. E com justiça se diz «falai", e não "Fala". De fato, se falar somente a boca, e a vida está muda, jamais poderá fazer sair água do rochedo. O Senhor amaldiçoou a figueira na qual não encontrou frutos, mas só folhas (cf. Mt 21,19; Mc 11,13-14): de folhas foram revestidos os progenitores expulsos do paraíso terrestre (cf. Gn 3,7). Falem, pois, Moisés e Aarão, e brotará a água, e beberão a multidão do povo e todos os animais: tanto os clérigos como os leigos quanto os espirituais como os viciados saciar-se-ão com a água da compunção.

Esta é a multidão da qual João diz: "Lançaram a rede e já não podiam tirá-la, por causa da grande quantidade [multidão] de peixes" (Jo 21,6).

15. 8. Depois apareceu aos Onze sobre um monte da Galileia (cf. Mt 28,16-17). Galileia interpreta-se "transmigração", e indica a penitência com a qual se efetua uma transmigração, quando o homem da margem do pecado mortal, através da ponte da confissão, passa para a margem da obra penitencial da satisfação. Portanto, o Senhor aparece sobre um monte da Galileia, isto é, na perfeita penitência; aparece aos onze discípulos, isto é, aos penitentes que justamente são em número de onze, porque onze foram as telas de lá de cabra com os quais foi coberta a parte superior da tenda do testemunho, como está escrito no Êxodo (cf. Ex 26,7). Nas telas de lá de cabra são indicadas duas coisas: o rigor da penitência e o fedor do pecado, do qual os penitentes confessam terem sido escravos. Com estas telas é coberta a parte superior da tenda, isto é, da Igreja militante: elas retém o ardor do sol, suportam o peso do dia e do calor (cf. Mt 20,12); protegem as cortinas tecidas de linho, de seda, de púrpura e de escarlate pintado duas vezes; estas cortinas representam os fiéis da Igreja, ornados com o linho da castidade, com a seda da contemplação, com a púrpura da paixão do Senhor, com o escarlate pintado duas vezes, quer dizer, decorado com o duplo mandamento da caridade. E as onze telas os protegem da inundação das chuvas, isto é, da obstinação dos hereges; do turbilhão, que é a sugestão diabólica; da sujeira do pó, quer dizer, da vaidade do mundo. Eis, pois, como o Senhor apareceu aos onze discípulos.

Daí que Jacó fala assim no Gênesis: "O Deus onipotente apareceu-me em Lusa, que é na terra de Canaa" (Gn 48,3). Lusa interpreta-se "amendoeira", e indica a penitência, na qual, como na amêndoa, há três elementos: a cortiça amarga, a casca sólida, a semente doce. Na cortiça amarga é indicada a amargura da penitência, na casa sólida, a constância da perseverança e na semente doce, a esperança do perdão.

Apareceu, pois, o Senhor em Lusa, que se encontra na terra de Canaã e se interpreta "mudança". A verdadeira penitência, com efeito, é aquela pela qual o homem Passa da esquerda para a direita, e com os onze discípulos transmigra para o Monte da Galileia, onde aparece o Senhor.

9. Apareceu ainda o Senhor aos Onze enquanto estavam à mesa - como relata Marcos (cf. Mc 16,14) - no próprio dia de sua ascensão ao céu, quando, enquanto comia com eles, precisa Lucas, ordenou que não se afastassem de Jerusalém (cf. At 1,4). O Senhor, pois, aparece àqueles que, no cenáculo da sua mente, libertam-se das preocupações deste mundo, nutrem-se com o pão das lágrimas na recordação de seus pecados e com a experiência da doçura celeste. Diz o Gênesis: "O Senhor apareceu a Isaac e lhe disse: Não vás ao Egito, mas fica na terra que eu te indicar, e habita nela como estrangeiro: eu estarei contigo e te abençoarei" (Gn 26,2-3). Três coisas o Senhor ordena ao justo: não descer ao Egito, isto é, não mergulhar no afã das coisas do mundo, onde se fabricam os tijolos com o barro da luxúria, com a água da avareza e com a palha da soberba; ficar para repousar na terra de sua consciência; e em todos os dias de sua vida, que são como um combate contínuo (cf. Jó 14,14), se considere somente um peregrino. E assim, o Senhor estará com ele e o abençoará com a bênção de sua direita.

16. 10. E finalmente apareceu novamente aos Onze, como relata Lucas, quando "os conduziu para fora da cidade em direção a Betânia, isto é, ao Monte das Oliveiras, e levantando as suas mãos, abençoou-os" (Le 24,50); "elevou-se à vista deles e uma nuvem o ocultou aos seus olhos" (At 1,9). O Senhor aparece aqueles que estão no Monte das Oliveiras, isto é, da misericórdia. Com efeito, diz-se no Êxodo: "O Senhor apareceu a Moisés numa chama de fogo no meio de uma sarça; e [Moisés] via que a sarça ardia sem se consumir" (Ex 3,2). A Moisés, isto é, ao homem misericordioso, aparece o Senhor na chama de fogo, quer dizer, enquanto participa dos sofrimentos dos outros. Mas de onde brota esta chama? Do meio da sarça, isto é, do pobre, espinhoso, atribulado, esfomeado, nu, sofredor; e o justo, traspassado pelo espinho daquela pobreza, arde de compaixão para depois usar com ele de misericórdia. E assim poderá constatar que a sarça, isto é, o pobre, arderá com maior devoção e não se consumirá na sua pobreza.

Coragem, pois, caríssimos irmãos, que estais aqui reunidos para festejar a Páscoa da Ressurreição; eu vos suplico que compreis com o dinheiro da boa vontade, junto com as piedosas mulheres, os aromas das virtudes, com os quais possais ungir os membros de Cristo com a amabilidade da palavra e com o perfume do bom exemplo; suplico-vos, pensando na vossa morte, que chegueis e entreis no sepulcro da celeste contemplação, na qual vereis o anjo do Eterno Conselho, o Filho de Deus, sentado à direita do Pai. Na ressurreição final, quando vier para julgar o mundo no fogo, ele se revelará a vós, não digo dez vezes, mas para sempre: para sempre e nos séculos dos séculos o vereis como ele é, com ele gozareis, com ele reinareis.

Digne-se conceder-nos tudo isso aquele que ressuscitou da morte: a ele seja a honra e a glória, o domínio e o poder nos céus e sobre a terra pelos séculos eternos.

E cada fiel, neste dia de alegria pascal, exclame: Amém, Aleluia!

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Fonte: Sermões | Santo Antônio; tradução de Frei Ary E. Pintarelli, OFM: Vozes, 2019
Imagem: Frei Roberto Alves, OFM
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